

5 de maio das 18:00 às 21:00
BATE-PAPO CAMINHOS DA LITERATURA: “MEU FEMINISMO ESTÁ EM PROSA”,”UM LAMA TIBETANO NA AMAZÔNIA” E “ESPANTO” – ED. OFÍCIO DAS PALAVRAS
Editora: Ofício das palavras
Meu feminino está de prosa e o entendimento
Caçar confusão, disse-me-disse, punhadinhos de insensatez ou coisas fora do lugar têm poder de ímã. E o contrário também. Tudo depende de quem conta, ou melhor ainda, de como replica o que vê. Até porque, qualquer intenção do escritor já sofre a primeira transformação de percepção quando despacha texto para o leitor de plantão.
Afinal, quem pode me assegurar que você está compreendendo redondinho, do jeitinho que estou ofertando esse parágrafo?
Talvez você tenha subido na esteira de quem queira ler só uma pitada de uma curiosidade beira de estrada, ou deu um sossego no traseiro, aí, na poltrona.
Só por um trago de aberração política pra dar aquela cusparada engaiolada na goela, que só sai depois dessa espiada ventura… pois foi por você, que não dormiu por cem anos como aquela bela do castelo, que em rodapés de folhetins do início do século XX, um outro gênero de vestir a palavra pisou nas passarelas.
A crônica
Crônica, foi seu nome. Na pia batismal veio ocupar um espaço destinado ao entretenimento. Ainda bem, não é? Pior seria se fosse destinada ao sufrágio da alma. Melhor que naquele cubículo de jornal coubessem palavras com passaporte na mão carimbado e visto ilimitado para uma boa, breve e adorável viagem para o leitor.
A prosa
Afinal, a prosa tinha ardência de brevidade, concisão. Já nasceu assim, meio anãzinha, mas poderosa, a danada! Quem não quer esse bilhete premiado? Em contrapartida as Namoradeiras¹ deram uma debruçadinha em outras janelas tornando-se mulheres cronistas dispostas à intimidade abrasiva do cotidiano.
Dado que grafia, estilo, rebuscamento literário também caem de moda, elas deixam os versos e trazem mais a informalidade brasileira de ônibus.
A crônica não parece um ônibus? Apinha gente que entra e sai no ponto seguinte, gente que se senta porque vai demorar a descer e fica ali, cada vez mais chegada ao narrador (esse aí perde até a parada), se servindo daquele tema. Importa se é ficcional, se a roupa ofertada lhe cai como um brinco? Aquele detalhe, o escondido, o que ninguém viu e nem tropeçou é o que dá liga. Ovo batido no bolo. Tem de ter mão, velocidade e leveza.
E um frescor na exposição da vitrine. Autores sem fronteiras linguísticas. Contra o vento, botam a desabar bandeiras hasteadas enquanto com palavrinhas mais errantes, sem luxo, pudor gramatical, nem casta, habitam os textos sem medo, porque não sofrem por antecipação. O cotidiano não fica inerte como um corpo estirado:
– Ressuscita-me! – grita. – O leitor me quer revisitado, reformulado. Talvez eu precise pagar penitência ou se não for pedir muito, absolvido. Dê-me essa redenção!
Nesse inventário plural de assuntos que outrora as namoradeiras abordaram, não se esconde um baralho inteiro de estímulos urbanos e humanos. Portanto, há cartas pedindo para serem puxadas e quem sabe se casarem com as do leitor. Desse modo, um pacto casamenteiro pode até causar uma aliteração entorpecente cutucadora. Um chá quebrapedras, não há tempo a perder.
Esse vale-tudo é um banquete dinâmico da conversação pela crônica, base da evolução natural de nossa espécie. Se me sinto atraída por modelos de produção de textos? Minha diversão predileta. O estranhamento me fisga. Se me incomoda, aí tem. Só um lápis e papel me devolvem o ar.
“Maria Iris Lo-Buono”
O espanto mora nas fronteiras. Atribui-se a gravura da capa a Camille Flammarion, astrônomo francês que viveu entre 1842 e 1925. A obra foi publicada pela primeira vez em seu livro, L’atmosphère: météorologie populaire. Talvez seja muito mais antiga. Ferreira Gullar certa vez disse: a poesia, como vejo, nasce do espanto, de alguma coisa que surpreende e que você tem necessidade de comunicar aos outros. Esse olhar espantado que vê, por trás do corriqueiro e do banal, a estranheza do mundo, não seria, de fato, o olhar do artista? Será que a literatura existiria sem o espanto? E não seriam os livros, cada livro, um convite para nos tirar do universo conhecido, previsível, e levar-nos a percorrer espaços desconhecidos, virgens ainda de certezas? O escritor e filósofo Juliano Pessanha, que assina o Prefácio do livro diz que “a escrita do espanto é uma escrita visceral. Aquilo que vai ser escrito no papel foi inscrito antes como acontecimento”. A convite da editora Ofício das Palavras, vinte autores se debruçaram sobre essa ideia do espanto. E toparam entrar no buraco do coelho imaginado por Lewis Carrol e trazer de lá seu desconcerto, sua perplexidade e um convite: vamos juntos?
Débora está lançando o livro Um Lama Tibetano na Amazônia, contando sua experiência, de 1996, o percurso até e a partir de lá, quando um grupo se reuniu para levar um Lama tibetano para conhecer a floresta. O livro é também um relato de sua vivência, em 1989, na ONG Saúde e Alegria, a maior referência de organizações ambientais do Brasil, e o primeiro registro escrito do entronamento do brasileiro Lama Michel Rinpoche.
Com prefácio da inglesa Lama Caroline e da cineasta, também budista, Anna Muylaert, que acompanhou a autora e Lama Gangchen na viagem à região do rio Tapajós, no Pará, o livro é organizado em cinco partes, onde “[…] Além dos textos clássicos escritos pelos mestres, também fazem parte do corpo dos ensinamentos budistas os comentários de praticantes”, conta.
A primeira parte, “Diários da Palhaça”, começa com a então bailarina, estudante de psicologia, conhecendo o universo acrobático, em aulas no Circo Escola Picadeiro, ninho do movimento cultural paulistano dos anos 1980. Sua inquietação a levou ao Instituto Rio Abierto, na Argentina, em 1986, sistema no qual formou-se como psicoterapeuta corporal, iniciando a integração do físico, emocional, mental e espiritual que a acompanha até hoje. Em 1989 mudou-se para Santarém, no Pará, para trabalhar como artista de circo e educadora junto ao Projeto Saúde e Alegria, que desde os anos 1980 se dedica aos povos originários e ribeirinhos. Também é inédito em livro o registro do trabalho da ONG, fundada em 1987.
A saga continua com os “Diários de uma Buscadora”. Como em um diário de viagem, Débora escreve sobre seu primeiro encontro com Lama Gangchen, suas viagens para o Tibete, Katmandu e para a Índia – testemunhando o entronamento do primeiro Lama brasileiro, Michel Rinpoche, aos 13 anos, em 1994, “[…] o menino que eu conhecia desde criança, havia sido reconhecido como um Tulku – um mestre reencarnado e ia ser entronado como um Rinpoche no Oriente”, conta.
“Romper com o conhecido, fazer experiências comigo mesma, desmecanizar os padrões presentes na cultura em que fui criada”. Assim, Débora, inicia a terceira parte do livro, com o sugestivo título “Um Desejo Compartilhado” onde instiga as pessoas a criar seus grupos de trabalho em benefício da comunidade.
“Uma viagem artística, ambiental e espiritual” e o início de uma jornada da Autocura NgalSo, através da prática “Fazendo as Pazes com a Amazônia” (Making Peace with the Amazonia), é lançada em Santarém, em 1996, meditação hoje praticada ao redor do mundo, em prol da floresta. “As viagens sempre me conduziram a uma experiência de transcendência e individuação”, conclui a autora.
Em “Confluências”, a possível origem comum e a conexão dos povos andinos, tibetanos e indígenas brasileiros, é contada, entre outros, pela atriz Marisa Orth, que também a acompanhou nesta viagem a Mendoza, na Argentina. “Qual é a ponte que pode unir os diferentes povos e culturas das três Américas?
O encontro da Águia e do Condor não vem por caminhos conhecidos, senão por uma ressonância de alma. A união vem pela expansão da consciência comum, por sentir-se pertencente a uma comunidade”, diz em trecho que traz a citação da obra “Indícios da próxima revolução: Os germes do futuro na América interior” de Ramón Munhoz Soler.
Na quinta e última parte de “Um Lama Tibetano na Amazônia”, Débora elabora os efeitos da covid e a morte do mestre, indicando um caminho de organização coletiva horizontal para os próximos tempos. Débora Tabacof se despede do leitor e do mestre Lama Gangchen em tom pessoal, compartilhando ainda os mantras que aprendeu para despoluir os cinco elementos – Terra, Água, Fogo, Ar e o Espaço –, para que o leitor possa entoar e sentir as energias do budismo.
O livro é o primeiro de uma série onde Débora Tabacof pretende trazer a público essa costura entre cultura pop e espiritualidade.

