

21 de junho das 15:00 às 18:00
No final do Capítulo XIII da sua Poética, Aristóteles critica as tragédias que terminam bem para os personagens bons e mal para os personagens maus, em vez de seguirem o formato que ele considera superior: quando a ação acaba mal para um personagem que é bom, e isso ocorre por causa de um erro seu. Na breve discussão que faz do esquema que reputa pior – e chama de “construção dupla” –, o filósofo reconhece que arcos dramáticos assim eram populares e que o gosto do público costumava ser atendido pelos poetas na hora de comporem suas obras (Poética, 1453a30-35). O mais interessante, porém, é que nesse ponto do tratado ele não dá como exemplo uma peça, e sim a Odisseia de Homero.
A Odisseia é dotada de uma estrutura que poderíamos chamar de bipartida: narra uma história com final feliz para Odisseu e sua família, mas com desfecho infeliz para os pretendentes que ameaçavam matar seu filho e cobiçavam sua esposa. De um lado, o herói que sofre mas termina tendo sucesso. Do outro, homens que se colocam contra ele e sua família mas acabam destruídos. Dito assim, não há como negar que esse formato duplo, quer o vejamos com bons ou maus olhos, continua a ser imensamente popular entre nós. Se a centralidade do poema de Odisseu já é algo assente no âmbito da literatura erudita recente – basta citar duas obras igualmente monumentais e arrojadas mas muito diferentes entre si, Ulisses (1922), do irlandês James Joyce, e Odisseia: uma sequência moderna (1938), do grego Nikos Kazantzakis –, sua ressonância quando se pensa na criação de histórias ficcionais em geral o coloca como matriz incontornável.