Misturando arte e publicidade, Andy Warhol prenunciou que no futuro todo mundo teria seus 15 minutos de notoriedade
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 166 (fevereiro/2018).
Ilustração Jonas Ribeiro
Se você, caríssimo leitor, tiver alguma dúvida, digamos, sobre o caráter “visionário” da vida e da obra do artista plástico Andy Warhol, nome que se confunde com a pop art, só vai precisar se lembrar de uma de suas frases mais célebres para deletar eventuais interrogações. “No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos”. Bingo. Dito e feito. Sem nem imaginar exatamente uma vida digital virtualizada e banalizada em redes sociais, voyeurismos de ocasião e compartilhamentos exibicionistas de intimidades forjadas, Warhol, que de santo nunca teve nada e assumidamente era maníaco por fofocas e fama, prenunciou o futuro que se configura agora.
E muitos likes rolaram desde que Warhol desapareceu. O dia 22 de fevereiro marca 31 anos da morte do artista e a imagem mais emblemática de Warhol segue indicando o fascínio que ele tinha pela arte, pela cultura de massa e pela notoriedade. Para construir a dele – e surpreender meio mundo –, Warhol misturou publicidade e artes plásticas, não teve nenhum pudor ao focar a indústria do consumo e os temas do cotidiano mais animado da década de 1960, e soltou a mão, o verbo e as serigrafias para ironizar o próprio deslumbramento e reproduzir ilustres personalidades de época como Marilyn Monroe, Che Guevara, Elvis Presley, entre outros tantos.
Filho de imigrantes do norte da Eslováquia que foram para América fugindo da guerra, Andrew Warhola, seu nome de verdade, nasceu nos Estados Unidos. Por causa de uma doença que teria atingido seu sistema nervoso fez da timidez uma marca registrada na infância. Graças ao esforço da família, conseguiu chegar ao curso de design no famoso Instituto de Tecnologia Carnegie, e dava certo trabalho por discordar sistematicamente das regras estabelecidas ali.
Tão logo terminou o curso, foi para Nova York e, como ilustrador, Warhol imprimiu sua assinatura nas revistas mais influentes e tops do momento, títulos como Vogue, Harper’s Bazaar e The New Yorker, além de trabalhar produzindo anúncios e displays publicitários para vitrines de lojas e marcas bacanas. Virou artista gráfico e diretor de arte premiado. Com desenhos inspirados nos textos do escritor e jornalista Truman Capote, fez a primeira exposição individual em 1952. As mesmas obras chegaram ao MoMA quatro anos depois, em 1956, quando ele passou a assinar Warhol.
Com as latas de sopas Campbell e as garrafas de Coca-Cola, só para citar dois itens icônicos do consumo da época, e usando materiais descartáveis para fazer obras que reproduzia aleatoriamente, Warhol fez sua revolução artística na dinâmica fascinante da década de 1960. Assim, deu forma a uma produção artística que se apropriava dos valores e recursos da publicidade. Conseguiu tremendo sucesso e irritou muita gente, a ponto de sofrer um atentado em 1968, na ação de uma militante radical que se apresentava como única representante de uma certa Society for Cutting Up Men.
Warhol não só escapou da morte como manteve a fama e a vida animadíssima que tanto prezava para testemunhar o que prenunciou, ou seja, o auge da cultura de massa, na qual a arte é apenas mais um produto disponível. Multimídia, fez filmes, dançou no embalo enlouquecido dos anos de 1970 e se fascinou com a música. Criou e bancou a banda The Velvet Underground.
Depois que ele morreu, aos 59 anos, após uma cirurgia da vesícula, vieram a público os famosos Diários de Andy Warhol, publicados no Brasil pela L&PM. Na última década de vida, de 1976 até sua morte, Andy telefonava todas as manhãs para a escritora Pat Hackett, amiga e colaboradora, e relatava os acontecimentos das últimas 24 horas: onde tinha ido, o que tinha feito, quem tinha visto e o que achava de tudo aquilo. Iniciado despretensiosamente, o relato se transformou em um diário sincero (até demais) e descaradamente compulsivo. Reuniu tantos bas fonds que rendeu processos e arrepios de celebridades do porte de Mick Jagger, Ronald Reagan, Truman Capote, John Lennon e Yoko Ono, Frederico Fellini, Jack Nicholson, Madonna e mais uma centena de ilustres expostos em comentários entre o chocante e o hilariante. A cara de Warhol, diga-se.