Na linha do tempo

Um panorama cronológico feito pelo editor Danilo Hora para localizar as criações, a temática e toda a graça dos russos

1837

Morte de Púchkin
A vida, a morte e a obra de
Aleksandr Púchkin são comumente associadas ao destino da Rússia, de sua cultura e de seus escritores e intelectuais. Ele é considerado o pai da literatura russa moderna. Não por acaso, um dos passatempos preferidos dos satiristas russos consiste em reelaborar e parodiar a “literatura oficial” sobre o grande escritor. Algumas dessas paródias foram incluídas na nova antologia da Editora 34, como as peças grotescas que Daniil Kharms escreveu nos anos 1930 e as anedotas literárias de Natália Dobrokhotova-Malkova e Vladimir Piatnitski, escritas nos anos 1970, mas recuperadas e publicadas em seu formato original apenas no final dos anos 1990.

1861

Emancipação dos servos
Entre as reformas promovidas pelo tsar Alexandre II, a mais popular foi a emancipação dos servos, ocorrida em 1861, que, no entanto, em decorrência de uma série de obrigações e endividamentos, ainda manteve os antigos servos ligados à terra e vivendo em condições de miséria. O conto O órgãozinho, escrito em 1870 por Saltikóv-Schedrin, captura bem a recepção ambígua que essa e outras reformas tiveram a médio prazo no meio intelectual russo.

1897

Lev Tolstói publica
O que é arte?
Neste livro, o grande romancista russo reflete acerca das funções da arte e defende seu caráter educativo e de formação. Tolstói realmente explora esse caráter em sua parábola Custa caro e em outros contos curtos em que a ficção serve também de meio para questionar a ética da sociedade e do Estado. A literatura russa, principalmente na segunda metade do século 19, pode de fato ser considerada uma longa discussão. Em outros contos da nova antologia, Dostoiévski faz um retrato grotesco do mundo dos periódicos e de suas intrigas, e Aleksandr Kuprin utiliza o humor e a sátira para denunciar a intensificação da violência motivada pelo antissemitismo.

1905

Domingo sangrento
No dia 22 de janeiro, a polícia abre fogo contra uma manifestação pacífica às portas do Palácio de Inverno, a residência do tsar em São Petersburgo. Imediatamente após o incidente, tem início a primeira revolução russa de caráter urbano e espontâneo, que resultou na criação de um parlamento (a chamada “Duma”) e restrições ao poder absoluto do monarca. A revogação desses direitos, em 1907, assim como a subsequente intensificação do policiamento e da censura, trouxe um clima de melancolia e frivolidade a boa parte da literatura de alta circulação. Nas décadas de 1900 e 1910, escritores como Arkadi Aviértchenko, Sacha Tchiórni e Nadiéjda Téffi, reunidos em torno da revista Satirikon, popularizam uma forma de humor que combina o absurdo do cotidiano a sátiras sutis ao desgoverno russo. Esse humor leve e divertido, produzido em meio ao pesado clima político, é um dos alvos de Minhas anedotas, de Leonid Andrêiev.

1917

Duas revoluções
Em fevereiro, o início de uma série de protestos resulta na abolição da monarquia russa, no estabelecimento de um Governo Provisório e da convocação de uma Assembleia Constituinte. Em julho do mesmo ano, motivado pela repressão promovida pelo Governo Provisório, Zamiátin escreve seus Contos de fita, satirizando o chefe de Estado Aleksander Kerensky. Em outubro, com a chegada dos bolcheviques ao poder, tem início uma primeira onda de emigrações.

1922

Fim da Guerra Civil Russa
Com a vitória dos bolcheviques, se dá uma nova onda de emigrações. Ao longo dos anos 1920, boa parte da melhor literatura russa – nomes como Ivan Búnin, Marina Tsvetáieva, Gueórgui Adamóvitch e Vladimir Nabokov, entre outros – foi escrita e publicada em jornais da comunidade emigrada em Paris, Praga e Berlim. Na Rússia, em meio à burocratização da vida soviética, Zamiátin republica seus Contos de fita. O mesmo tema é explorado em Ordem de despacho no 37, de Lev Lunts, do mesmo ano, e alimenta boa parte das obras dos satiristas mais populares das décadas de 20 e 30, como Bulgákov, Zóschenko, Ilf e Petrov, e até mesmo Maiakóvski (principalmente em suas peças).

1934

Segundo Congresso de Escritores Soviéticos
Nesse evento, são assentadas as diretrizes do realismo socialista, a linha estética oficial adotada pelo partido. Iuri Oliécha faz um discurso exaltado em defesa da liberdade criativa. A essa altura, boa parte dos escritores de vanguarda já havia enfrentado o patrulhamento ideológico de críticos ligados ao partido, sem sucesso: Isaac Bábel resolve aderir ao silêncio, Maiakóvski comete suicídio em 1930, Zamiátin emigra em 1931. Oliécha só voltaria a escrever nos anos 1950.

1958

Morte de Stálin
Tem início a era das “reabilitações”, na qual passam a circular obras e autores banidos ou nunca publicados. Escritores de vanguarda como Valentin Katáiev e Iuri Oliécha voltam a explorar gêneros antes recebidos com pouco entusiasmo pela crítica, como o gênero memorialista. Yuri Trifonov, cujas primeiras obras se curvavam a todas as exigências do realismo socialista, inaugura uma prosa mais subjetiva e começa a fazer seus experimentos com o gênero documental, na tentativa de contar a história de seus familiares que foram perseguidos no período stalinista.

1966

O processo de Siniávski e Daniel
Após o degelo que seguiu-se à morte de Stálin, um novo fechamento teve lugar na Era Brejnev. Os escritores Andrei Siniávski e Iuli Daniel são processados e condenados por terem enviado seus livros para publicação fora da União Soviética, sob pseudônimo. Vários escritores encontram obstruções de cunho puramente estético à publicação de suas obras, entre eles Viktor Goliávkin e Liudmila Petruchévskaia. Como resultado, tem início a era dos dissidentes, em que vários membros da intelectualidade russa são forçados a emigrar, entre eles Joseph Brodsky, Serguei Dovlátov e Vladímir Voinóvitch.

1986

Reabertura e redemocratização
Ao longo dos anos 1970, foi mais forte do que nunca o sistema de circulação de obras proibidas, manuscritas ou xerocadas, os chamados samizdát. Várias dessas obras são publicadas em outros países. Artistas como Vladímir Sorókin e Dmitri Prígov organizam exibições clandestinas em apartamentos e locais abandonados, formando um movimento de contracultura conhecido como “conceitualismo”. Com a reabertura, começam a surgir as primeiras edições oficiais de autores banidos e censurados como Daniil Kharms, Viktor Goliávkin e Liudmila Petruchévskaia.

1991

Fim da União Soviética
Na cultura russa pós-soviética, a figura do intelectual tem tido presença considerável em meios de comunicação como o rádio e a televisão, como é o caso de Dmitri Býkov e Tatiana Tolstáia. Em meio à literatura de apelo comercial, surgem autores que são também aclamados pela crítica, como Mikhail Véller e Viktor Pelevin. Alguns títulos deste último chegaram a vender milhões de exemplares. Ao mesmo tempo, veteranos como Fazil Iskander e Vladímir Voinóvitch, junto a autores da nova geração, como Liudmila Ulítskaia, fazem críticas, agora abertas e explícitas, ao novo establishment político, à nova cultura de massas e à volta do culto de personalidade.