Idealizada pelo ator Darson Ribeiro, que faz cena solo com texto de Flavio de Souza e direção de Rubens Rusche, a peça O homem que queria ser livro propõe reflexões sobre liberdade, humanismo e o poder mágico do teatro
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 165 (janeiro/2018).
Foto Eliana Souza/ Divulgação
O homem que queria ser livro é o nome do espetáculo que o ator Darson Ribeiro apresenta a partir do dia 12 de janeiro na Livraria da Vila da Lorena, em São Paulo. Com texto de Flavio de Souza e direção de Rubens Rusche, a peça marca outra estreia na carreira de Darson, que pela primeira vez faz cena solo em montagem cuja idealização ele também assina. O título da peça, diz Darson, é um trocadilho para brincar com as palavras “livro” e “livre”.
“Ele consegue tratar de assuntos atuais e atemporais com dramaticidade e bom humor”, explica Darson sobre o convite que fez a Flavio de Souza, autor do premiado Fica comigo essa noite, para traduzir, em palavras, um percurso que junta, no plano ficcional, histórias pessoais de épocas diferentes e o atual momento, sempre tendo o teatro como meio primordial de vivência e experiências.
Darson diz que o propósito não é realizar uma ode ao livro, mas sim utilizar-se desse instrumento milenar para reforçar a ideia do “pensar em si”. Assim, em 45 minutos, em tom assumidamente confessional, ele apresenta “de forma crua e sutil, com variantes entre drama, humor e poesia, um reverso desse mundo caótico justamente pela falta de humanidade”. “E consequentemente, por falta da leitura, o homem consigo mesmo”, afirma Darson, que cita o escritor Jorge Luis Borges para reforçar sua concepção dramática. “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria”, escreveu Borges. Para trilha sonora da montagem, Darson convidou o cantor Ney Matogrosso para cantar e gravar, a capella, a música Coração de luto, de Teixeirinha, que marcou a primeira aparição do ator no palco, interpretando, aos cinco anos de idade, uma adaptação da canção feita pela sua mãe.
“O homem que queria ser livro conta a trajetória de um homem que demorou para descobrir qual era sua missão na vida: fazer parte do grupo que mantém acesa a chama da sabedoria no mundo, neste momento histórico em que a falta de valores da maior parte da humanidade leva cada vez mais à desvalorização de virtudes e do humanismo”, diz Flavio de Souza. “A partir do título-ponto de partida criado pelo Darson, um ator-realizador, fiz um roteiro-enredo baseado no amor de ambos pelos livros; e aí escrevi, usando quase que só a parte da minha mente-cérebro onde atua a intuição, com a firme intenção de tornar divertida uma história um tanto pesada, com o maior número possível de brincadeiras com palavras”, declara o dramaturgo.
E foi diante da contemporaneidade de pensamentos que o ator convidou Rubens Rusche para direção. “Rubens é um tipo de diretor que já quase não há. Ele pensa primeiro na lógica da escrita e vai aos poucos criando e demarcando laços de vogais a sentenças, dando volume, peso e dramaticidade ao que se lê com o foco sempre no corpo do ator. O que se fala deve ser sentido primeiramente no corpo, só assim a voz se torna crível para contagiar as pessoas”, diz Darson.
“A peça fala sobre vida e morte, bem como da necessidade que temos de atar essas duas pontas de nossa existência, de modo a formar um eterno círculo, um eterno retorno. Fala da autossuperação através do amor, de como devemos deixar de ser demasiadamente humanos e tornarmo-nos verdadeiramente humanos, atravessando a ponte que nos leva das sombras da caverna à luz do sol”, escreve Rubens Rusche para o material de divulgação do espetáculo. Ele prossegue: “O texto se insere assim numa ideia de teatro profundamente relacionado com as agonias da alma humana que, em nossos dias, tanto necessita ser apaziguada e, se possível, libertada. O teatro, para nós, não pode ser apenas um meio de expressão estética, um veículo de uma mensagem qualquer ou um local de mero entretenimento. O teatro precisa ser, sobretudo, uma espécie de ferramenta cirúrgica para uma operação transcerebral, para uma descida até o âmago do Ser, até esse ponto imóvel onde jaz a verdadeira criação.”