O sentimento mais potente da experiência humana está em livros e ideias como um tema urgente e infinito
*Matéria publicada na revista Vila Cultural Edição 182 (Junho/2019)
“É ok viver. É ok amar”. Foi assim, ao escrever uma mensagem cativante, que a romancista norte-americana Elizabeth Gilbert, autora do best-seller Comer, rezar, amar (Objetiva), compartilhou recentemente, nas mídias sociais, que estava apaixonada pelo fotógrafo Simon MacArthur, um grande amigo de Rayya Elias, a esposa de Gilbert que morreu no começo do ano passado. “Seu coração é uma catedral gigante. Deixe-o abrir. Deixe-o amar”, escreve Elizabeth em outro trecho do texto em que legitima o mais nobre e potente sentimento da experiência humana como uma alternativa para seguir em frente, amando, apesar das dores e das perdas de cada um. “Se você perdeu alguma pessoa amada para a morte, pensou que nunca amaria de novo, mas está sentindo atração por um novo alguém e não tem certeza se isso é ok, deixe-me normalizar para você: é ok”, defendeu Elizabeth, cujo novo livro (leia aqui) é justamente uma história de amor.
“O amor é um tema infinito e absolutamente necessário no momento”, diz o psicanalista Christian Dunker (leia aqui). Toda a complexidade e as facetas dos diferentes tipos de amor – os gregos, por exemplo, o classificaram em eros (o amor “romântico”), storge (o amor familiar), ágape (o amor incondicional, à vida inclusive) e philia (o amor da amizade) –, as qualidades a ele atribuídas pela História, mitologia, religiões, correntes filosóficas, psicologia e tantas outras áreas do conhecimento não cabem em um único tratado. Nem em muitos. Por isso os livros são sempre tão mensageiros para compreendermos mais a condição humana na tradução do que é o amor.
“Considerando-se o amor em sua essência, isto é, pelo que ele é, não há amor infeliz. E tampouco há felicidade sem amor. De fato, observemos que, se o amor é uma alegria que a ideia de sua causa acompanha, se todo amor, portanto, em sua essência, é alegre, a recíproca também é verdadeira: toda alegria tem uma causa (como tudo que existe) e toda alegria é, pois, suscetível de amor, pelo menos virtualmente (…) O amor é como que a transparência da alegria, como que sua luz, como que sua verdade conhecida e reconhecida”, escreve André Comte-Sponville em Pequeno tratado das grandes virtudes (Martins Fontes), outro título que marcou época na virada para o novo milênio.
No começo do século passado, quando as ideias que Freud (1856-1939) propunha com a Psicanálise já influenciavam a produção artística e intelectual da época, foi justamente com a cena da imagem mais “óbvia” e definitiva do amor de amantes, que outro austríaco, o pintor Gustav Klimt (1862-1918), garantiu seu lugar na história da arte, com a pintura O beijo, ainda hoje uma das obras de arte mais admiradas e instigantes no mundo. Autêntico patrimônio e tesouro nacional na Áustria, o quadro de grandes dimensões (tem 1,80 m x 1,80 m), que está na capa desta edição, diz muito sobre o amor ao sugerir erotismo questionando identidade, gênero e outros simbolismos.
“O que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal”, escreveu o filósofo Friedrich Nietzsche, esclarecendo, de forma definitiva, o que se dá seja qual for a iniciativa amorosa. Não importa se romântico, fraternal, platônico, incondicional, ou inominável. “Ao longo de nossa história talvez não haja conceito mais complexo e mais mal compreendido do que o amor”, disse a filósofa e professora Marcia Tiburi em entrevista à Vila Cultural.
Para o cronista Fabricio Carpinejar, conforme se lê em Minha mulher tem a senha do meu celular (Bertrand), seu novo livro, uma ode à fidelidade, como ele diz, “amor feliz é como água do mar em que você pode ver os seus pés. Amor feliz é quando você não esconde nada. Nenhuma tristeza, nenhuma mensagem, nenhum pensamento”. Na diversidade da leitura, o jornalista Nirlando Beirão, que acaba de lançar Meus começos e meu fim (Companhia das Letras), também lembra o seguinte: “O amor, se produz heróis, concebe-os trágicos, atormentados, debatendo-se em ondas de insensatez e de arrependimento. Assim sugerem as escritas literárias e as narrativas cinematográficas. O amor dói. Não tem muita graça o amor sem perdição e sem castigo – a não ser talvez para os próprios amantes”.
Para além da literatura ou do cinema, o filósofo Alain (1868-1951), pseudônimo do francês Émile-Auguste Chartier, defendia que “amar é encontrar riqueza fora de si”. É um conceito que continua valendo em plena sociedade líquida, de experiências supostamente tão fugazes e egoicas. “O amor fica em cada encontro, cada respeito, cada ternura. O amor não se separa. O amor não é lento. O amor pode ser muito rápido. Não significa que ele acabe depressa. Ele fica. E ser capaz de acessar o que chamo de amor incondicional é querer o bem do outro, independentemente do nosso ‘eu pessoal’. O que eu quero, o que é bom para mim, tem que ser posto de lado”, diz a Monja Coen numa de suas tantas falas repletas de amor.