A política nos livros

Em plena evidência, títulos sobre cenários políticos e seus protagonistas convidam à leitura de não ficção

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 190 (Fevereiro/2020)

 

Ilustração Jonas Ribeiro Alves

Se tudo na vida tem um lado bom ou se o bem e o mal estão nas mesmas coisas, não é diferente quando o assunto é política. O desconforto provocado pelo extremismo e pela polarização – que às vezes inviabiliza a conversa, o diálogo e o debate no convívio social, não importa se no Brasil ou no mundo – acabou transformando os livros em uma espécie de “lugar mais seguro” para tratar das diferenças de ideias e pensamentos relacionados aos sistemas políticos e seus atuais protagonistas. Assim, a mesma política, nacional ou global, que cria territórios minados e belicosos ao desafiar, na prática, nossa tolerância e traquejo em sociedade, também inspira, amplia e motiva a pauta mais dinâmica do mercado editorial no segmento da não ficção, que reflete com precisão esse momento histórico do começo do século 21.

“É um dos segmentos que segue em ritmo crescente de lançamentos. Por ser um assunto de interesse geral, em função do momento social e político que vivemos, é natural que o mercado tenha mais publicações a respeito e que os leitores, no desejo de participar do debate público, confirmem essa tendência, esse interesse”, diz Flavio Seibel, da Livraria da Vila.

No mês passado, por exemplo, o lançamento de Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos (Companhia das Letras), que documenta, em tom de reportagem, o esforço e a habilidade da jornalista Thaís Oyama para ajudar o país a entender melhor como funcionam os mecanismos atuais do comando da nação, causou interesse e furor imediatos. “Mais do que mostrar as peculiaridades e a dinâmica do governo de Jair Bolsonaro – e de nos situar no calendário dos atribulados primeiros 365 dias de sua gestão –, a narrativa ajuda o leitor a compreender o ano que passou e a vislumbrar o que nos aguarda”, diz a sinopse do livro. O novo título confirma, assim, que a política e seus personagens seguem na ordem do dia (veja aqui) como valiosa alternativa de leitura neste 2020.

Longe de ser um fenômeno recente. Historicamente, a política sempre foi um assunto desafiador e inesgotável para a produção de livros. Nesse movimento mais atual, por exemplo, desde 2018, quando foi lançado, o livro Como as democracias morrem (Zahar), de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, tem espalhado, em idiomas diferentes, mais luz e informação sobre uma questão mundial da maior urgência. Trata-se, conforme observou o The New York Times Book Review em elogio anotado na capa do best-seller, de um livro “abrangente, esclarecedor e assustadoramente oportuno”. São adjetivos que caberiam em vários outros lançamentos, sobretudo pelas oportunidades que criam para reflexão.

Diferentemente da leitura do noticiário e do conteúdo sempre impulsivo, meio inconsequente e eventualmente leviano, típico das redes sociais em que tendem a prevalecer a opinião – ou a histeria, dependendo do ponto de vista –, as fake news e a vivência prática da pós-verdade (quando, grosso modo, só acreditamos no que queremos), os livros físicos e e-books têm a demanda do tempo e a perenidade necessárias quando essas características parecem essenciais a um assunto tão complexo como a política. Livro depende de dedicação – do autor e do leitor. E vai na contramão daquela “olhadinha nas manchetes” para continuar emitindo suas mesmas opiniões e convicções irredutíveis.

Em O povo contra a democracia – Por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la (Companhia das Letras), já traduzido para dez idiomas, o escritor e professor alemão Yascha Mounk, que fez um prefácio especialmente para a edição brasileira do livro, convida justamente à reflexão. Ele escreve o seguinte: “O que define o populismo é essa reivindicação de representação exclusiva do povo – e é essa relutância em tolerar a oposição ou respeitar a necessidade de instituições independentes que com tamanha frequência põe os populistas em rota de colisão direta com a democracia liberal. Desse modo, a eleição de Jair Bolsonaro deve ser encarada como o evento mais significativo na história brasileira desde a queda da ditadura militar: pelos próximos anos, o povo terá de lutar pela própria sobrevivência da democracia liberal. Os brasileiros conseguirão salvar a democracia brasileira? E terá o leitor deste livro algo a contribuir para essa que é a mais nobre das causas? A resposta a ambas as questões é sim”. Mais do que “vender seu peixe” ou se posicionar sobre um tema nacional, Mounk compartilha o convite à construção do raciocínio, do pensamento, do argumento, da compreensão de diferentes pontos de vista para definir o que convém a cada um.

Seguindo a ideia da “desconstrução” da democracia como fenômeno editorial de época, outro lançamento, Um gênio muito estável – A ameaça de Donald Trump à democracia (Companhia das Letras), feito pelos jornalistas Philip Rucker e Carol Leonnig, também lança mão da reportagem, um valor e uma ferramenta preciosos do jornalismo de qualidade, para resistir à tentação de simplificar o primeiro mandato à ideia aleatória do “caos”. Repórteres, eles vão aos meandros da investigação sobre a interferência russa nas eleições americanas de 2016 e mostram como o time de advogados de Trump luta para conter os danos à sua presidência. Também revelam bastidores da Casa Branca, e como a equipe do governo precisa lidar com as decisões intempestivas do presidente americano e do impacto mundial que elas causam. É um relato tão alarmante e preciso sobre a presidência mais polêmica da história recente dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo, que parece livro de ficção. Mas é tudo verdade. E ler sobre política, de alguma forma, sempre nos aproxima mais da verdade e da realidade, por mais duras que sejam.

 

O que vem por aí

Dez lançamentos previstos para os próximos meses

 

Capitalismo em debate – Uma conversa na teoria crítica (Boitempo), de Nancy Fraser e Rahel Jaeggi, sai ainda em fevereiro.

 

Crises da democracia (Zahar), de Adam Przeworski, previsto para maio.

 

Capitalismo, sem rivais (título provisório, da Todavia), de Branko Milanovic, sai ainda em 2020.

 

Complexo de Colombo (Civilização Brasileira/Record), de Márcia Tiburi, previsto para junho.

 

Diários da catástrofe brasileira (Civilização Brasileira/Record), de Ricardo Lísias, previsto para maio.

 

Estado e democracia – Uma introdução ao estudo da política (Zahar), de André Singer, Cícero Romão Resende de Araújo e Leonardo Octavio Belinelli de Brito, tem previsão de lançamento para junho.

 

História de uma amizade – Como Emilio Odebrecht conheceu Lula e o que aconteceu depois (Companhia das Letras), de Malu Gaspar, ainda sem previsão de lançamento.

 

Marielle (Rosa dos Tempos/Record), de Mônica Benício, previsto para julho.

 

Migração e intolerância (Record), de Umberto Eco, previsto para sair ainda em fevereiro.

 

A nova América Latina (Zahar), de Fernando Calderón e Manuel Castells, lançamento previsto para julho.

 

Últimos escritos econômicos (Boitempo), de Karl Marx, nas livrarias a partir de 4 de fevereiro.