Autor de bordões hilários e inesquecíveis, Chacrinha fez história como um dos mais originais comunicadores do Brasil
Se você tem menos de 30 anos, tente deletar circunstancialmente as imagens ou referências mais atuais que tem da figura de um apresentador de TV no Brasil – não importa se Faustão, Silvio Santos, Luciano Huck, Tiago Leifert, Gugu e por aí afora. E imagine um senhor de aparência meio desleixada, às vezes carinhoso, mas sempre despachado-debochado e invariavelmente travestido de “malucão”. Em cena, ele sai proclamando, na TV aberta, para quem quiser ouvir: “Dona Chiquita, como está sua periquita?” Em plena década da aids, nos anos de 1980, com a força poderosa do ensaio moral da caretice aterrorizando a fantasia recém-conquistada da liberdade sexual, ele canta sua esperada marchinha anual de Carnaval: “Bota a camisinha/ Bota meu amor/ Hoje tá chovendo/ Não vai fazer calor/ Bota a camisinha no pescoço/ Bota geral/Não quero ver ninguém sem camisinha/ Para não se machucar no Carnaval”.
Caso esse esforço da imaginação pareça inviável, surreal demais ou um pouquinho absurdo, sem problemas, não desanime. Corra para a web e encontre algum vídeo ou alguma história do glorioso Chacrinha, cuja morte, em 1988, completa três décadas neste 30 de junho. Foi uma perda que deixou muitas saudades e mais do que mera curiosidade histórica, rever Chacrinha em 2018 é garantia de diversão. “Quem não se comunica se trumbica”, dizia o apresentador, autor do clássico “Alô, alô Terezinha” e de tantos bordões hilários que, combinados com seu figurino extravagante-doidão e uma buzina inconfundível, fizeram do Velho Guerreiro um dos maiores comunicadores da televisão brasileira. Um “muso” tropicalista a distribuir muitos troféus-abacaxi para seus convidados e pedaços de bacalhau para a plateia.
Nascido em Surubim, Pernambuco, em setembro de 1917, José Abelardo Barbosa de Medeiros, o nome de batismo de Chacrinha, viveu em Caruaru nos primeiros anos da infância. Quando tinha cinco anos, a família foi para Campina Grande, na Paraíba, e, aos 15, Abelardo foi estudar no Colégio Marista, no Recife. Entrou para a Faculdade de Medicina em 1936. Aos 20, ele passou a ser locutor na Rádio Club de Pernambuco e se tornou baterista do Bando Acadêmico do Recife. Precisou fazer uma cirurgia de apêndice e, por causa disso, perdeu um ano de faculdade. No embalo, aceitou o convite para tocar em um navio com destino à Europa. De volta ao Brasil, ele desembarcou aos 22 anos no Rio de Janeiro para trabalhar em várias emissoras de rádio e começar a carreira como locutor na Rádio Tupi. Em 1943, lançou na Rádio Clube Niterói o programa de marchinhas de carnaval Rei Momo na Chacrinha. Com o fim do carnaval de 1944, criou o Cassino da Chacrinha. Fez tanto sucesso que passou a ser conhecido como Abelardo
“Chacrinha” Barbosa.
Na televisão, como vários programas na TV Tupi, Chacrinha estreou em 1956. No início dos anos 1960, apresentou sua Discoteca do Chacrinha na TV Paulista, TV Rio e TV Excelsior, com audiência sempre garantida. A estreia na Globo aconteceu 1967, onde ficou durante cinco anos para depois voltar à Tupi, para onde retornaria após uma passagem pela Record. Em 1978, foi para Bandeirantes. Voltou à Globo em 1982, para apresentar, nas tardes de sábado, seu maior sucesso, o Cassino do Chacrinha, uma mistura de programa de auditório com atrações musicais e
show de calouros.
Numa época em que a diversidade era só uma perspectiva ainda muito distante, Chacrinha aproveitava sua personalidade assumidamente anárquica para fazer e acontecer, juntando, num mesmo estúdio, chacretes com nomes sugestivos, tipo Rita Cadillac, Fernanda Terremoto e Fátima Boa Viagem, até figuras polêmicas e divertidas como o produtor musical Carlos Imperial, a cantora Aracy de Almeida, a transformista Rogéria e a atriz Elke Maravilha. Uma farra, enfim, que virou sua marca registrada.
Em 1987, um ano antes de sua morte, Chacrinha foi homenageado com pompa e circunstância pela Escola de Samba carioca Império Serrano.