Um livro para Zahar
Com atuação que se confunde com a história das ideias no Brasil do século 20, Jorge Zahar, o editor que construiu um catálogo com quase 2 mil títulos, é o protagonista de A marca do Z
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 164 (dezembro/2017).
Fotos Divulgação
Um capítulo incontornável da história do livro e do mercado editorial no Brasil ganha a devida evidência com o lançamento e a noite de autógrafos, dia 5 de dezembro, na loja da Fradique, de A marca do Z – A vida e os tempos do editor Jorge Zahar (Zahar), que o jornalista e escritor Paulo Roberto Pires (leia entrevista do autor abaixo) acaba de trazer a público.
Mais do que um perfil meticuloso do respeitado editor, o livro é documento que revela o quanto a vida e o trabalho de Jorge Zahar (1920-1998) se confundem com a história das ideias no Brasil do século 20. Livreiro que se tornou editor, Zahar inaugurou a edição profissional de ciências humanas, colaborando decisivamente para a formação de sucessivas gerações de leitores. Assim, há 60 anos, o Z de Zahar – daí o título – difunde a cultura e amplia o conhecimento no país.
Autodidata que amava poesia, música e cinema, Jorge Zahar gostava de dizer que o editor não é necessariamente um intelectual, mas “alguém sensível ao fenômeno cultural”. E isso ele soube ser como poucos na dedicação apaixonada ao catálogo que construiu, o melhor retrato de um país em movimento – desde o otimismo da era JK até a redemocratização, passando pelo enfrentamento de mais de vinte anos de ditadura e inúmeras crises econômicas.
Do primeiro título publicado, Manual de sociologia, em 1957, às coleções inovadoras e às obras de referência nos anos 1990, lançou quase 2 mil títulos nas mais diversas áreas – psicanálise, sociologia, música, antropologia, história, cinema, filosofia, política, economia, ciências, teatro, entre outras.
Empenhado desde o início da editora na busca de autores nacionais, Zahar, explica Pires, teve papel decisivo na difusão da produção universitária a partir da década de 1960. Com sua antena para clássicos e contemporâneos, “revelou” Jacques Lacan ao público brasileiro e transformou em best-seller História da riqueza do homem, de Leo Huberman, que ele considerava o livro de sua vida.
Freud, Marx, Mircea Eliade, Althusser, Erich Fromm, Fernando Henrique Cardoso, Garcia-Roza, Bertrand Russell, Norbert Elias, Gilberto Velho, Eisenstein, Žižek e Zygmunt Bauman são alguns dos nomes que integram a lista extraordinária de autores que Zahar publicou.
Ao sistematizar uma pesquisa abrangente e minuciosa, Pires não foge do tom afetuoso que inclui amigos fundamentais de Zahar, como Ênio Silveira e Paulo Francis, com quem o editor manteve décadas de íntima cumplicidade, atravessada por momentos dramáticos nos anos imediatamente posteriores ao golpe de 1964.
LANÇAMENTO
Livro: A marca do Z – A vida e os tempos do editor Jorge Zahar (Zahar), de Paulo Roberto Pires
Loja: Fradique
Quando: dia 5 de dezembro, às 19h
Simples assim
“Foi fascinante constatar, na prática, que o idealismo não é uma quimera perdida no tempo, mas que é possível, nos detalhes, conciliar compromisso intelectual e vida empresarial”, diz o escritor Paulo Roberto Pires
Professor da Escola de Comunicação da UFRJ e editor da Serrote, a revista de ensaios do Instituto Moreira Salles, Paulo Roberto Pires é autor do perfil Hélio Pellegrino – A paixão indignada (1998) e dos romances Do amor ausente (2001) e Se um de nós dois morrer (2011). Convidado pelas netas de Jorge Zahar para escrever A marca do Z, dedicou-se durante anos ao projeto do livro. Leia a entrevista que Pires concedeu à Vila Cultural.
Vila Cultural. De onde vem o seu interesse pelo “personagem” Jorge Zahar e como surgiu a possibilidade de fazer o livro?
Paulo Roberto Pires. Fui editor por quase dez anos e sempre fui fascinado por biografias e autobiografias de editores, gênero pouco comum no Brasil. Para entender como literatura e ideias circulam é bom entender um pouco a cabeça de quem escolhe e edita os livros. Sempre pensei que gostaria de escrever a biografia de um editor e aí veio o convite de Cristina e Mariana Zahar, netas de Jorge, para que eu contasse a história dele. Foram três anos de trabalho reconstituindo uma vida que é fascinante pela sua simplicidade e não pelas grandes aventuras ou lances cinematográficos.
VC. Como entender a “formidável antena para clássicos e contemporâneos” de Zahar?
PRP. A antena foi pacientemente construída por ele a partir do momento em que foi livreiro. Ali ele aprendeu que comércio fascinante é este, entre mercadorias e ideias. A vida muito dura da família não permitiu que ele tivesse acesso a educação formal e, a partir da vida de livreiro, ele tornou-se um autodidata de um tipo muito especial, pois além de se formar intelectualmente ele aprendeu a eleger interlocutores. Lendo por conta própria e consultando escritores, professores e amigos ele botou para funcionar essa antena de alta potência.
VC. O que mais o surpreendeu na pesquisa para A marca do Z?
PRP. Não tive uma surpresa exatamente, mas foi fascinante constatar, na prática, que o idealismo não é uma quimera perdida no tempo, mas que é possível, nos detalhes, conciliar compromisso intelectual e vida empresarial.
VC. O que aprendeu sobre edição e afeto ao realizar o livro?
PRP. A lição básica de Jorge: editor não tem que ser intelectual, tem que ser sensível ao fenômeno cultural. E sempre eleger interlocutores, perguntar, dividir o que sabe.
VC. O que o Brasil tem a aprender com o legado de Zahar?
PRP. Que “cultura a serviço do progresso social” é mais do que um slogan que ele inventou. É uma declaração pública de compromisso com o país mesmo em seus momentos mais sombrios, seja na ditadura explícita que ele enfrentou ou na canalhice tecnocrática que desde 2016 faz do Brasil uma terra arrasada.