Piloto dos sonhos

Aviador destemido, o escritor Antoine de Saint-Exupéry fez história e poesia existencial com O Pequeno Príncipe

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 183 (Julho/2019)

Ilustração Jonas Ribeiro Alves

Nascido em 29 de junho de 1900, o piloto, escritor e ilustrador francês Antoine de Saint-Exupéry morreu, em um acidente de avião, um mês depois de completar 44 anos, no dia 31 de julho de 1944, há exatos 75 anos. A efeméride remete a um tempo de vida breve, ainda que “suficiente” para que ele se consagrasse e ficasse conhecido mundialmente por causa de um dos livros mais populares na história recente da humanidade, O Pequeno Príncipe, publicado pela primeira vez em 1943, um ano antes do desaparecimento do autor.

A obra entrou em domínio público em 2015 e segue ganhando novas versões e edições que confirmam a vocação para sensibilizar, refletir e reproduzir frases tão sinceras-singelas quanto impactantes. Na França, o país em que Saint-Exupéry nasceu, há sempre, por exemplo, uma defesa apaixonada de que a fábula infantil do pequeno e adorável príncipe é, na verdade, uma leitura recorrente para uma vida inteira, já que cada fase da existência – a infância, a adolescência, a maturidade ou a velhice – possibilita, sim, uma compreensão distinta da trama reflexiva e cativante, que trata de tantas coisas invisíveis aos olhos.

No site oficial do livro, Le Petit Prince, há menções superlativas sobre um autêntico fenômeno literário: 200 milhões de exemplares vendidos ao redor do mundo (14 milhões só na França), além de 353 traduções oficiais e a estimativa de pelo 400 milhões de leitores ao redor do mundo. No Brasil, onde é publicado desde 1945, O Pequeno Príncipe continua, como acontece em outros lugares, frequentando as listas dos mais vendidos.

O legado de Saint-Exupéry não se restringe ao mercado editorial. Criada pelos herdeiros do escritor, a Fundação Antoine de Saint-Exupéry cuida da educação e informação para a juventude a partir de quatro pilares: responsabilidade, esforço, unidade e troca. A ideia do projeto é ajudar jovens a se tornarem cidadãos responsáveis, algo fundamental para Saint-Exupéry, que acreditava sobretudo no poder do bom relacionamento entre as pessoas.

Como um dos personagens do livro, Exupéry também foi piloto de avião. Por isso, era chamado de “o poeta da aviação”. A serviço da empresa francesa de correio aéreo Latécoère, chegou a ser designado para trabalhar em Buenos Aires e pousou algumas vezes no Brasil, na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, onde ficou conhecido como “Zeperri”.
Terceiro filho da condessa Marie Foscolombe e do conde Jean Saint-Exupéry, Antoine Saint-Exupéry nasceu numa família aristocrática. No serviço militar, obteve licença de piloto e depois ingressou na aviação pela Latécoère. Ainda na década de 1920, ajudou a implantar rotas de correio aéreo na África e América do Sul, além de ter sido pioneiro nos voos Paris-Saigon e Nova York-Terra do Fogo. Essas experiências de aviador ele publicou no seu primeiro livro, chamado Courrier Sud, que saiu em 1929.

Saint Exupéry também trabalhou como piloto de provas, adido de publicidade para a Air France e repórter. Seu segundo livro, Vol de nuit, foi publicado em 1931. Em Terre des hommes, de 1939, registrou outras aventuras ao redor do mundo. Durante a Segunda Guerra Mundial entrou para a aviação aliada, mas com a queda da França em poder dos nazistas ele partiu para os Estados Unidos, onde escreveu outro livro, Lettre à un otage, publicado em 1943.

Seu livro de maior sucesso veio na sequência. Ilustrado pelo próprio Exupéry, com imagens icônicas e hoje reconhecíveis não importa onde, O Pequeno Príncipe é, para muitos estudiosos, o primeiro livro existencialista de que se tem notícia. Ao abordar com simplicidade questões das mais complexas – a existência humana, as experiências que possibilita, os vínculos que implica – , torna-se uma referência acessível a qualquer leitor, independentemente da faixa etária. Depois de decolar numa missão secreta de uma base aérea no Mar Mediterrâneo em 1944, Saint-Exupéry jamais retornou. Um bracelete com seu nome foi resgatado do mar de Marselha, na década de 1990, e conduziu aos destroços do avião pilotado pelo francês.