Elegância subversiva

Ao combinar vanguarda e tradições populares, Lina Bo Bardi deixou uma assinatura emblemática na arquitetura

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 191 (Março/2020)

 

Ilustração Jonas Ribeiro Alves

Para o crítico italiano Bruno Zevi, a arquiteta Lina Bo Bardi, que escolheu viver e trabalhar no Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, “foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos”. Tão poética quanto radical, a definição sintetiza muito da vida e da obra da arquiteta ítalo-brasileira que projetou o Masp, em São Paulo, entre outras construções que são referências da arquitetura no Brasil do século 20. Nascida em Roma, Lina morreu há 28 anos, no dia 20 de março de 1992.

Com a mostra Lina Bo Bardi: Habitat, a arquiteta foi homenageada no ano passado com uma grande e memorável exposição que mostrava, no espaço projetado por ela, o vasto alcance de sua atuação como designer, curadora, editora, cenógrafa ou pensadora. Além do Masp, Lina assinou o projeto do Sesc Pompeia, outro edifício icônico de São Paulo.

Tanto o museu da avenida Paulista quanto o centro cultural na Pompeia revelam as características marcantes da arquitetura de Lina e do jeito que ela pensava o trabalho ao conciliar, de alguma forma, o modernismo europeu e a cultura popular brasileira.

Casada com o marchand e crítico Pietro Maria Bardi (1900-1999), diretor-fundador do Masp, Lina chegou ao Brasil em 1946, aos 31 anos. Ela mergulhou na cultura do país, ambiente sob medida para a criação de uma linguagem única, intensa e radical. “Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha pátria de escolha, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e as da fronteira”, declarou em uma entrevista.

Habitat, o nome da mostra de 2019, foi uma revista editada por Lina e Pietro entre 1950 e 1953. Apesar de uma existência breve, o título impactou e inovou evidentemente o design gráfico e a crítica de arte e a arquitetura no Brasil.

Lina se formou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma em 1940. Desconfortável com as orientações do fascismo, que predominava ainda mais fortemente na capital italiana, ela se mudou para Milão e foi trabalhar com o arquiteto Gio Ponti, que liderava um movimento pela valorização do artesanato italiano e dirigia a revista Domus. Rapidamente, Lina tomou gosto pela causa e pelo conteúdo e passou a dirigir a publicação. Chegou, nesta época, a colaborar com o Partido Comunista Italiano, que sobrevivia clandestinamente.

No caso do Masp, que se tornou um marco, a história de Lina e do museu se confundem. Primeiramente instalado na rua 7 de Abril, no centro da cidade, em 1968 o museu foi transferido para a atual sede na avenida Paulista. Com base no uso do vidro e do concreto, Lina Bo Bardi concilia as superfícies ásperas e sem acabamentos com leveza, transparência e suspensão. A esplanada sob o edifício, conhecida como vão livre, foi pensada por ela como uma praça para uso da população.

A radicalidade da arquiteta, conforme se lê nos textos de apresentação do Masp, também se faz presente nos cavaletes de cristal, criados para expor a coleção no segundo andar do edifício. “Ao retirar as obras das paredes, os cavaletes questionam o tradicional modelo de museu europeu, no qual o espectador é levado a seguir uma narrativa linear sugerida pela ordem e disposição das obras nas salas. No espaço amplo da pinacoteca do Masp, a expografia suspensa e transparente permite ao público um convívio mais próximo com o acervo, uma vez que ele pode escolher o seu percurso entre as obras, contorná-las e visualizar o seu verso”. Tudo obra de Lina.
Mulher e personagem fascinante, que conviveu com artistas como o cineasta Glauber Rocha ou o cantor Caetano Veloso, só para citar dois nomes, Lina morou muitos anos na Bahia, onde criou vínculos de trabalho também, atuando como diretora do Museu de Arte Moderna em Salvador. Aproveitou cada oportunidade para, como dizem os pesquisadores de sua obra, compreender a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular.