*Entrevista publicada na revista Vila Cultural 180 (Abril/2019). Atualizada em 01 de Abril de 2019.
A escritora e juíza Andréa Pachá faz noite de autógrafos para o lançamento de A vida não é justa
Andréa Pachá autografa dia 3 de abril na loja da Lorena o livro A vida não é justa, originalmente publicado em 2012 e que acaba de ganhar uma nova edição pela Intrínseca. Juíza do Estado do Rio de Janeiro há 24 anos, Andréa ficou conhecida pelo talento como escritora ao transformar a rotina dos tribunais em histórias de ficção. Além de conquistarem leitores de todo o País, A vida não é justa e Segredo de Justiça (2014) inspiraram uma série do Fantástico, da Globo.
No seu livro mais recente, Velhos são os outros (Intrínseca), tema da entrevista que ela concedeu à Vila Cultural, Pachá lança seu olhar sensível sobre as complexas questões do envelhecimento. O novo livro junta 38 crônicas e é resultado, diz Andréa, das vivências em uma Vara de Sucessões, onde, nos últimos anos, tem deliberado sobre processos relacionados a inventários, testamentos e curatelas.
Por meio de narrativas, Andréa apresenta a velhice de forma franca, como um tempo delicado e cheio de possibilidades. “Depois da velhice vem mais vida. E mais vida”, ela diz ela na introdução do livro, que tem emocionado leitores de todas as faixas etárias. Não faltam histórias e personagens cativantes em situações como a descoberta do amor depois dos 70, a vida de idosos cheios de vitalidade que sofrem com a superproteção dos filhos, parentes que se sacrificam mesmo quando a personalidade daqueles que amam desvanece, entre outros temas tocantes. Leia a seguir a entrevista que a escritora concedeu à Vila Cultural.
Vila Cultural. Que avaliação faz da trajetória de Velhos são os outros desde o lançamento do livro?
Andréa Pachá. É com surpresa e grande alegria que tenho acompanhado a trajetória de Velhos são os outros. Quando o escrevi, imaginei que leitores mais idosos se interessariam pelo assunto, que é a ação do tempo e o processo de envelhecimento experimentado por todos nós. No entanto, diariamente recebo mensagens de leitores – alguns muito jovens – sensibilizados com as histórias que conto no livro. Tenho percebido que há um grande interesse pelas questões que envolvem o afeto e a precariedade da nossa condição humana. Há, também, uma grande demanda pela compreensão de temas complexos, especialmente quando abordados com delicadeza.
VC. Por que, como a senhora tem dito, a sociedade ainda nega tanto a ideia e a experiência do envelhecimento?
AP. Vivemos em uma sociedade de consumo que exige uma felicidade obrigatória, incompatível com a condição humana. As dores, as contrariedades, os problemas são escondidos ou negados, como se fosse proibido ser infeliz em alguns momentos. O velho, para ser aceito nessa sociedade, precisa se manter jovem. A deterioração e a ação natural do tempo são tratadas como doença e, nesse contexto, a velhice acaba sendo invisibilizada.
VC. Qual é o maior ganho que a velhice pode trazer?
AP. Viver é uma experiência estupenda. A velhice é mais uma das fases da vida. O tempo, a memória e a experiência podem ser um patrimônio de valor inestimável. Se somos permeáveis à ação do tempo ao longo da vida, a velhice pode ser o momento em que se colhe o que se plantou durante a estrada.
VC. De onde vem o seu gosto pela literatura, pelo texto, pelas histórias escritas e como usa essa habilidade de autora no exercício da magistratura?
AP. Não consigo lembrar de algum momento da minha vida que não esteja vinculado a algum romance, poesia, conto ou crônica. A literatura parece entranhada no meu material genético. Leio muito, e desde muito cedo e sempre me dediquei ao exercício de transformar as experiências mais banais e cotidianas em histórias. Na magistratura, quando escrevo uma decisão ou uma sentença, embora não pratique um exercício de ficção, tenho cuidado no uso das palavras, na elaboração de um texto compreensível. Muitas vezes, já me socorri de personagens de ficção, como Otelo, Lear, Simão Bacamarte ou Capitu para explicar uma decisão judicial.
VC. E qual é o lugar, o papel da juíza quando a escritora está em ação?
AP. Não consigo separar os lugares e papéis. Lógico que a magistratura exige mais formalidade, eventualmente o uso da linguagem técnica, mas penso que somos uma coisa só. Nunca acreditei em personagens que são excelentes pais de família, homens de bem e que praticam violência ou tortura em outros lugares. Penso que somos um conjunto dos valores que professamos e que vivemos. Procuro ser coerente em todos os lugares e me permito liberdade total para não ser juíza moral, nem na magistratura, nem na literatura.
VC. Com seu interesse e suas experiências em dramaturgia e na produção teatral, como se deu a decisão profissional pelo Direito e pela magistratura?
AP. Eu já era advogada quando trabalhei com teatro e com dramaturgia. Minha formação jurídica é anterior. Optar pela magistratura foi uma decisão racional, diante do sucateamento do espaço da arte e da cultura no Brasil. Fiz concurso em 1994 e consegui, a partir dessas múltiplas experiências, compreender que justiça, teatro, literatura e arte são saberes da mesma raiz da humanidade e que devem caminhar juntos.
VC. Quando estreou como autora, em 2012, podia imaginar o alcance, a potência das suas histórias, da sua obra?
AP. Imaginei que as histórias sobre o amor e, especialmente, sobre o fim do amor poderiam alcançar muitos leitores, mas não com a intensidade com que a obra tem caminhado. Talvez o grande responsável por essa potência tenha sido Alcione Araújo. Ele foi um amigo muito próximo e veio dele a ideia para que eu narrasse as histórias na primeira pessoa. Eu já havia escrito mais de 20 crônicas na terceira pessoa, quando ele fez essa proposta. Acreditava que os leitores se interessariam mais pelo olhar da magistrada como narradora. E ele tinha razão. Há uma grande curiosidade pela atuação de um juiz diante dos conflitos tão devastadores que envolvem as rupturas dos casais, os conflitos com os filhos etc. Infelizmente Alcione morreu no dia seguinte ao lançamento de A vida não é justa. O último texto dele foi o prefácio do livro, no qual ele sintetiza: a vida é ruim, mas é boa!
VC. O que muda, na sua perspectiva criativa/literária, quando passa a ser uma autora adaptada, com tanta visibilidade e chancela, para a televisão e para o teatro?
AP. Como autora, muda pouco. Escrevo porque preciso escrever para tentar compreender o que se passa no mundo, para organizar melhor minhas ideias e para que meus textos sejam lidos e interpretados por muitos olhares. A adaptação dos meus livros para a televisão e para o teatro não foram feitas por mim. Aliás, fiz um exercício de desapego e pouco ou nada interferi no argumento, nos roteiros e no texto teatral. Entendo que são obras distintas e, nesse momento, me dedico à literatura exclusivamente.
VC. A senhora tem algum ponto de vista-opinião-reflexão-comentário sobre o debate em torno da reforma da Previdência no Brasil que pudesse ser compartilhado aqui, ainda que brevemente?
AP. A população brasileira está envelhecendo. Em 2050, seremos 23% de idosos. Em 2065, as projeções indicam que os idosos serão 78 milhões de brasileiros. Nossa taxa de natalidade tem reduzido e temos matado violentamente 63 mil jovens entre 15 e 29 anos, por ano. O que antes era uma pirâmide, hoje já é um cálice. Para que a previdência tenha sustentação, é óbvio que há necessidade de reformas e adaptações. Entendo, contudo, que qualquer reforma não pode priorizar o aspecto neoliberal do lucro. Previdência é investimento social. Uma sociedade mais sustentável na velhice é melhor para todos, sob qualquer aspecto.
VC. Que outros aspectos da vida, além da saúde física e financeira, lhe parecem essenciais para viver a velhice com a vida que vem junto e depois dela?
AP. A desigualdade social que nos estrutura ao longo da vida chega na velhice de forma muito perversa. Para muitos idosos, não há o que escolher quando não se tem condições básicas para a sobrevivência digna. Para os que têm suporte material, no entanto, é essencial falar sobre a velhice, desmistificar os fantasmas da deterioração e se preparar para a ação do tempo de uma maneira mais livre e sustentável. A convivência com os amigos, com familiares, a tessitura de uma rede de cuidado e de afeto são importantes para que o tempo seja nosso aliado, um dia depois do outro, até o fim, destino comum a todos nós.
VC. A que atribui o seu sucesso e o interesse pelos seus livros?
AP. Não gosto muito da palavra “sucesso”. Costumo associá-la a uma expectativa de nossa sociedade do espetáculo, com resultados, metas e missões. Nos meus livros, falo muito do fracasso. Das limitações, contradições e complexidades da nossa condição humana. Talvez seja esse olhar humano que identifica o leitor com a obra.
LANÇAMENTO
Livros: A vida não é justa, da Intrínseca, de Andréa Pachá
Loja: Lorena
Quando: dia 3 de abril, a partir das 19h