A sintonia entre Literatura e Cinema

A estreia de filmes como Extradordinário ou a nova versão de Dona Flor e seus dois maridos confirmam
o autêntico caso de amor entre o cinema e a literatura e faz a alegria de espectadores e leitores

*Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 (novembro/2017).

Os filmes Extraordinário, de Stephen Chbosky, Dona Flor e seus dois maridos, de Pedro Vasconcelos, e Assassinato no Expresso Oriente, de Kenneth Branagh, que estreiam nas próximas semanas nos cinemas brasileiros, abrem uma nova temporada marcada por um movimento que tem sido contínuo no circuito da produção cultural e na indústria do entretenimento: são todos filmes baseados em excelentes livros que, a exemplo de outros tantos bons títulos, ganham versões cinematográficas.
O filme de Chobsky tem roteiro baseado no best-seller de J.R. Palacio, Dona Flor, de Vasconcelos, é a nova versão para o cinema para o clássico de Jorge Amado (que inspirou o filme de Bruno Barreto com Sonia Braga, em 1976) e Assassinato é baseado no livro de Agatha Christie, filmado por Ingmar Bergman nos anos de 1970 e que agora traz a assinatura de Branagh (leia sobre a seguir).
Mais do que representar qualquer lacuna de “ideias originais” para roteiros sedutores, a situação é a melhor demonstração de que cinema e literatura estabeleceram uma relação de tamanha simbiose que passou a ser um vínculo intrínseco, uma sintonia finíssima que, desde sempre, revela harmonia ora em palavras, ora em imagens. Isso, claro, se houver uma boa história para contar. O que não se deve fazer, conforme alertam os melhores críticos, é cair na tentação da comparação, invariavelmente destrutiva já que, na visão do leitor apaixonado ou do cinéfilo cheio de argumentos, um dos dois (livro ou filme) sempre será “melhor/pior” que o outro. O mais inteligente é justamente entender as realizações como duas obras distintas.
Quando perguntado sobre o que achou da versão cinematográfica (do diretor Cristián Jiménez) para o belo livro Bonsai, o escritor chileno Alejandro Zambra nos disse o seguinte: “É muito estranho ver o seu livro ‘traduzido’ dessa maneira. Mas Cristián se apropriou do projeto e o fez brilhar de outra maneira. O filme é muito distinto do romance, e acontece ali algo raro, que é um filme ‘maior’ que o livro porque o livro se lê em quarenta minutos e o filme dura noventa minutos.”
Estranhezas criativas à parte, o que merece ser celebrado é exatamente a possibilidade de agregar pontos de vista e maneiras de interpretação ou compreensão que fogem ao controle desse ou daquele autor, criando, em alguns casos, “universos estendidos” fascinantes, caso muito comum na ficção científica e na fantasia, vide a “cinessérie” Star Wars , que além de movimentar uma infinidade de livros há quatro décadas cria filmes que literalmente mobilizam o mundo, como o novíssimo Star Wars: Os últimos Jedi, de Rian Johnson, anunciado para estrear no próximo dia 15 de dezembro.
Bom lembrar aqui que não há gênero ou status que interfira na atração incontrolável entre um e outro, cinema e literatura. As duas referências imediatas, para citar o escritor Kazuo Ishiguro, que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura 2017 no mês passado, por exemplo, foram exatamente dois filmes baseados em suas obras, que estão disponíveis no Brasil pela Companhia da Letras. Vestígios do dia e Não me abandone jamais, livros de Ishiguro, foram transpostos para o cinema respectivamente em 1993 e 2011, pelos diretores James Ivory e Mark Romanek.
Capaz de traduzir em filmes, há anos, a identidade social, política e cultural do povo brasileiro, o cineasta Cacá Diegues, alagoano que mora no Rio de Janeiro desde criança, e um dos fundadores do Cinema Novo, foi indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes pelos filmes Bye Bye Brasil (1980), Quilombo (1984) e Um trem para as estrelas (1987) e nunca se contentou só com imagens. Ele é um ótimo exemplo de como a habilidade com as palavras se dá de maneira espontânea no ofício da criação artística. Como cronista sempre inspirado, Cacá autografa dia 28 de novembro (2017), na Livraria da Vila da Lorena, Todo domingo, com os artigos de Cacá Diegues (Cobogó), com textos publicados aos domingos (daí o título) no jornal O Globo. São tantas cenas cotidianas que provavelmente renderiam alguns belos filmes.

Dose dupla

Entre estreias e novidades ou bons livros e filmes que já estão disponíveis, confira uma seleção de títulos que confirmam a atração incontrolável do cinema pela literatura – e vice-versa

Extraordinário

Com estreia prevista para o começo de dezembro, o filme dirigido por Stephen Chbosky traz Julia Robert e Owen Wilson no elenco e leva para a tela a história do livro de R. J. Palacio, publicado no Brasil pela Intrínseca. É sobre August Pullman, o Auggie (Jacob Tremblay), portador de uma síndrome genética que implica uma deformidade facial. Após a infância vivida na solidão, ele finalmente vai à escola em Nova York e passa a ter que lidar publicamente com a diferença que tem na aparência, gerando um drama familiar cujo roteiro, no cinema, sugere sucesso similar ao do livro.

 

Dona Flor e seus dois maridos

O longa dirigido por Pedro Vasconcelos é estrelado por Juliana Paes, Marcelo Faria e Leandro Hassum. Trata-se de mais uma adaptação do clássico de Jorge Amado, disponível no catálogo da Companhia das Letras. No cinema, o filme de Bruno Barreto com Sonia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça também deu o que falar a partir de 1976. Tudo por causa da história de Florípedes Paiva, a Dona Flor, que conhece, em dois casamentos, a dupla face do amor. Com o boêmio Vadinho vive a paixão avassaladora, o erotismo febril, o ciúme que corrói. Com o 01farmacêutico Teodoro encontra a paz doméstica, a segurança material e o amor quase metódico.

 

O Formidável

Cinéfilos não admitem perder O Formidável, do premiado diretor Michel Hazanavicius, filme francês que estreou há pouco no Brasil. Baseado na autobiografia de Anne Wiazemsky (interpretada pela atriz Stacy Martin), que viveu com o diretor e escritor Jean-Luc Godard (Louis Garrel), é quase um “lado B” sobre o nome que é ícone na França. Conta o momento em que Godard estava realizando o longa-metragem A Chinesa (La Chinoise), quando se apaixona e se casa com a atriz principal do filme, Anne em pessoa. A história começa em 1967 e vai até os protestos do famoso maio de 1968 que sacudiram o mundo, mostrando a fase em que o diretor se aproximou dos ideais maoistas, durante a filmagem deChinesa.

 

Assassinato no Expresso Oriente

As participações são estelares: Johnny Depp, Josh Gad e Kenneth Branagh, que também dirigiu o filme. Tudo para contar a conhecida e já filmada (em 1974, por Ingmar Bergman) história de Agatha Christie, disponível em livro da L&PM Editores. A trama: durante o inverno, o detetive Hercule Poirot viaja no Expresso Oriente quando um passageiro é misteriosamente assassinado no trem. Com todos “presos” pela neve no meio do caminho entre Istambul e Paris, ele é convocado para investigar o caso, pois a vítima era o sequestrador e assassino em uma cena de mistério que envolve todos. Poirot considera, assim, que todos os passageiros são suspeitos, pois todos tinham seus próprios motivos para assassinar a vítima. Estreia anunciada para 23 de novembro de 2017.

 

 

Vestígios do dia

Na vitrine cultural do momento graças ao Prêmio Nobel de Literatura 2017, que acabou de ganhar, o escritor Kazuo Ishiguro viu o seu romance Vestígios do dia (Companhia das Letras) ganhar status de cinema global em 1993, quando o diretor James Ivory convocou Anthony Hopkins e Emma Thompson, entre outros grandes nomes, para contar a história de James Stevens, um homem de idade, ex-mordomo de Dartington Hall, a famosa casa de campo pela qual sacrificou sua vida pessoal para ter um alto desempenho profissional. Ele vai visitar Sally Kemton (Emma Thompson), que ele não vê há muito tempo e tinha sido governanta em Dartington.

 

Não me abandone jamais

Outro título em alta por causa no novo Nobel de Literatura Kazuo Ishiguro, cuja história, aqui, foi levada ao cinema em 2011 pelas mãos do diretor Mark Romanek. A trama traz Ruth (Keira Knightley), Tommy (Andrew Garfield) e Kathy (Carey Mulligan), que cresceram juntos em um internato praticamente sem contato com o mundo exterior por causa das regras e do rigor adotados naquela misteriosa escola. Entretanto, uma revelação surpreendente sobre doação de órgãos e o objetivo de suas vidas pode mudar o rumo da história, disponível em livro da Companhia das Letras. Outro ingrediente dramático essencial é o desconforto de Kathy com a “empatia” cada vez mais explícita na relação de Ruth e Tommy.