Autora do best-seller O peso das dietas, Sophie Deram propõe nutrição com ciência e consciência
Lançado originalmente em 2014, quando virou best-seller, o livro O peso das dietas – Emagreça de forma sustentável dizendo não às dietas, da engenheira agrônoma e nutricionista Sophie Deram, ganhou uma nova edição da Sextante e continua em sua potência máxima como principal documento do trabalho da pesquisadora, que fala em “nutrição com ciência e consciência”. Francesa naturalizada brasileira, Sophie se transformou em referência como ativista contra as dietas restritivas. Ela é defensora do prazer de comer e do comer consciente.
Tanto no seu consultório em São Paulo como nas redes sociais, nos programas on-line que desenvolve e nos cursos e palestras que ministra, com um método que leva o seu nome, Sophie diz que se dedica a inspirar as pessoas a transformar a relação com a comida, resgatando o prazer, os alimentos verdadeiros e o ato de cozinhar para viver com mais saúde e bem-estar.
Com doutorado no Departamento de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Sophie concentra suas pesquisas nas áreas de obesidade infantil, nutrigenômica, transtornos alimentares e neurociência do comportamento. É pesquisadora no Ambulatório do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas, onde coordena o projeto de genética do banco de DNA dos pacientes com transtorno alimentar. Convidada do Desconstruir para Construir este mês, ela concedeu a seguinte entrevista à Vila Cultural:
Vila Cultural. Como começou seu ativismo contra dietas?
Sophie Deram. Comecei a falar em congressos porque vejo os efeitos das dietas restritivas no cérebro e o quanto isso mexe no nosso apetite, no nosso bem-estar, na nossa relação com a comida. E eu percebi que infelizmente não conseguia mudar a visão dos profissionais porque eles aplaudiam a minha palestra, mas voltavam para o consultório para passar dietas. Aí, comecei a falar nas redes sociais, no rádio, nas entrevistas, até que recebi o convite para escrever um livro. Apesar do meu receio inicial com a recepção pelos profissionais de saúde, o livro virou uma referência nas faculdades e também recebi muitos pedidos de psicólogos e nutricionistas sobre o meu jeito de trabalhar sem dieta.
VC. Daí ter um método específico.
SD. Isso. Não que eu tenha ficado organizando, planejando um método, mas pela demanda eu montei e comecei a dar cursos. São quatro dias de ciência, de atualização sobre o que é obesidade, como perder peso, a questão da neurociência e o comportamento alimentar. Tudo que eu sei, enfim. Nos outros quatro dias, estudamos sobre técnicas e ferramentas para ajudar o profissional de saúde a trabalhar com o paciente. Porque na faculdade não se aprende a parte psicológica. Sophie, em grego, é sabedoria, e o método é justamente para ajudar o paciente a retomar a sabedoria do corpo. Quando o paciente consegue ter mais sabedoria, mais autonomia para parar de comer, ele vai primeiro melhorar a saúde e por consequência vai emagrecer.
VC. A questão da alimentação hoje é um “drama” global?
SD. Sim, é uma questão internacional. Em 2016, quando fiz uma tradução meio caseira do meu livro para publicá-lo na França, muito mais para os meus pais conhecerem o meu trabalho, eu pensei que não houvesse necessidade dessas informações por lá. Mas me enganei. E eu fiquei assustada porque há um terrorismo nutricional na França. É um pouquinho diferente do que o que acontece por aqui. Os franceses, por exemplo, são obcecados pela qualidade dos alimentos de um jeito que é doentio. Tudo tem que ser orgânico e eles querem saber até onde a vaca comeu o mato. Mas há outra questão que é igual no mundo inteiro e que sempre costumo dizer, ou seja, que nunca houve tanta informação sobre nutrição e sobre dieta e nunca tivemos tantos problemas de peso.
VC. Como lidar com essa questão na prática?
SD. Numa palestra para um grupo de compulsivos com o qual estamos trabalhando, eu disse para eles esquecerem tudo o que sabem sobre nutrição e voltar a sentir e tentar ficar mais em paz com as vontades e a relação com comida. Para profissionais, o importante é ampliar a visão, ter uma visão mais holística e humanizada lembrando que o ser humano se nutre de alimentos, mas também de sentimentos. A nutrição tende a observar o aspecto dos nutrientes e às vezes esbarra nesse excesso de cientificismo. Quer dizer que você não fala mais carne. Diz-se proteína. Ao invés de ser cenoura, é fonte de betacaroteno. Outro dia eu perguntei para um menino de dez anos o que ele tinha almoçado e ele me disse “proteína e carboidrato”. Eu me pergunto: como é possível nessa idade pensar assim? Significa que estamos numa desconexão total das nossas necessidades básicas. Não devemos comer pensando apenas em fome e saciedade, mas também para lembrar do prazer de comer, que é importantíssimo no equilíbrio da nossa saúde.
VC. Mas a questão não é o excesso desse prazer?
SD. Há quem diga que o prazer ao comer é um problema, mas é exatamente o contrário. As pesquisas mostram que quando você come com prazer, você come até menos. Fica mais satisfeito. E o contrário, quando você come com culpa, acaba comendo mais. O comportamento é muito importante, especialmente com crianças. Falando dessa abundância de alimentos com que estamos vivendo, o paradoxo é que o Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, mas no meu consultório observo pessoas passando fome voluntariamente. Eu vejo crianças passando fome porque os pais são obcecados com a ameaça e o temor da obesidade infantil. Eles ficam com tanto medo que querem controlar o apetite das crianças. E quanto mais você quer controlar o apetite de alguém mais se perde o controle. Se você não respeita o apetite de alguém, a tendência é que ele grite mais forte. E aí você acaba aumentando o apetite.
VC. Que não para de crescer…
SD. Quando você faz restrição ou dieta, o cérebro se sente ameaçado porque você não está comendo o suficiente. O interessante é que há um estudo, de 2011, que indica não só o apetite aumentando como ele fica assim, “aumentado”, mesmo um ano depois que você volta a comer normalmente. A pessoa que faz restrição ou dieta não é a mesma depois. Ela tem mais apetite. Aí começa o drama. Porque vemos que 95% das pessoas que fazem dieta restritiva voltam a engordar, o famoso efeito sanfona. Uma das soluções para o problema da epidemia da obesidade seria diminuir o apetite. Claro que muitos médicos vão dizer então que é só tomar um inibidor de apetite, mas esses inibidores têm uma ação pontual e não duram, podendo até interferir na questão psiquiátrica do paciente. Observamos muitas pessoas com transtornos devido ao uso dessas substâncias. O apetite é muito, muito próximo do emocional. Ou seja, quando você mexe em um, você mexe no todo. Quando você busca o tratamento para obesidade, a questão não é porque a pessoa engorda. É porque ela não para de comer. Há um pesquisador, inclusive, que já disse que fazer dieta provavelmente é dos fatores que explicam a epidemia de obesidade.