Dias de filosofia

*Entrevista publicada na revista Vila Cultural 180 (Abril/2019)

O escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé publica em livro “um pequeno tratado sobre questões menores”

O filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé autografa Filosofia do cotidiano – Um pequeno tratado sobre questões menores (Editora Contexto), seu novo livro, dia 23 de abril, na loja da Fradique, onde participa de um bate-papo com o público para apresentar o trabalho. Além de ideias instigantes e polêmicas, que se transformaram na marca registrada de sua produção intelectual, Pondé segue, com o livro, uma trajetória de simplificação da linguagem. Inclusive por causa de uma meta definida há algum tempo: participar vivamente do debate público com sua voz de pensador.

Fotos Gustavo S.Vilas Boas/Divulgação

Mais que isso, ele se transformou em um comunicador de habilidade admirável, um comentarista influente, no mesmo intervalo de tempo em que a comunicação digital passou a ser ferramenta essencial no mundo contemporâneo. Todo esse cenário de época está, de alguma forma, evidente no novo livro que, diferentemente da provocação do subtítulo, não trata nenhuma questão como menor. “Nunca o capitalismo foi mais absoluto, mesmo entre aqueles que pensam combatê-lo. Nesse cenário, o cotidiano corre o risco de se transformar numa experiência esmagadora de ‘ser lixo’. O que vem a ser essa experiência?”, ele pergunta em texto cujo título é Ser rico ou ser lixo.  Eis a questão.

Onipresente com sua vocação multimídia – Pondé está na imprensa, na TV, no rádio, na internet –, o escritor mantém essencialmente os fascínios filosóficos que sugerem muito mais perguntas do que respostas, conforme se lê no livro. No caso dele, com a fala potencializada por uma característica pessoal inconfundível. Pondé sinceramente não dá a mínima para o que pensam ou dizem sobre ele. Professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), autor de diversos livros, o escritor concedeu a seguinte entrevista à Vila Cultural:

VC. Você gosta de entrevistas?
Luiz Felipe Pondé. A maior parte das experiências que tenho com entrevistas é positiva. Quando estão relacionadas ao que estamos produzindo são importantes para refletir, a partir da pergunta do outro, sobre o que você está fazendo.

VC. Poderia falar sobre o novo livro?
LFP. É fruto de uma conversa que tive com o Jaime Pinsky, da Contexto, para fazer um livro original para a editora e que tratasse de questões que afetam todo mundo. Essas questões menores do título não têm nada de menores. Há ideias como: por que eu levanto da cama de manhã? Vale a pena casar? Vale a pena ter filho? Dinheiro é a coisa mais importante na vida? São temas que afetam seres humanos cotidianamente, mais até do que “de onde vim para onde vou”, “qual o sentido da vida”, “existe Deus ou não existe”. A intenção do livro é conversar como se estivéssemos em um café da manhã. Ou quando a pessoa está com um “pepino” no trabalho. Ou pensando se, apesar de ser casado, vai ou não ter um caso com aquela amiga de expediente. “O que significa essa situação: é tesão ou é só trabalho?” O livro está assentado na tentativa de lidar com tudo isso. “Será que dá tempo de eu ficar rico mesmo?” “Como eu lido com o fato de que no mundo que a gente vive, se você não tem sucesso, com o passar dos anos vai ficando sempre pior?” São questões assim. Quem tem lido diz que, pela linguagem, é o mais fácil de todos os meus livros.

VC. De onde vem seu gosto por polêmicas?
LFP. Uma influência, sem dúvida nenhuma, é a leitura de Nelson Rodrigues. E também a de Paulo Francis. Outro aspecto é o conteúdo de que tratei no meu doutorado, sobre uma tradição que vai de Santo Agostinho a [Blaise] Pascal e é a tradição polemista na filosofia dentro dos fundamentos do cristianismo. Li muitos autores polemistas, que estavam sempre escrevendo contra alguém ou contra uma ideia. Pascal chegou a escrever As provinciais, no século 17, escondido, por causa da perseguição da Igreja Católica e do rei. Tive uma formação de escrita polemista, mas é claro que existe uma questão de personalidade. Sempre gostei do debate de ideias e sempre fui muito fiel ao que eu penso e ao que eu sinto. Ao ver algo de que discordo, sempre me pronunciei. E não sou uma pessoa que sofra com o que os outros pensam de mim, o que é uma arma polemista.

VC. Que critérios usa para definir o que escreve na Folha de S. Paulo?
LFP. Primeiro há os critérios jornalísticos, de efemérides, por exemplo, porque acontecem muitas coisas o tempo todo e, de alguma forma, você tem que dar conta daquilo. São “pautas quentes”, como se diz. Mas se há um “efeito manada”, de todo mundo falar daquilo, eu desencano. Fora essas questões, pode ser sobre algo que você ouve numa mesa de restaurante, cenas que você vê no shopping, na rua. Filmes que assistiu, sonhos que teve. O meu critério, se tiver que elencar um, é que esses conteúdos ajudem a refletir sobre o mundo de um jeito que não seja tão óbvio. Quando me convidou para assinar a coluna, o Otávio [Frias Filho, ex-diretor da Folha, morto no ano passado], me pediu para quebrar o couro dos contentos.

VC. Você edita o cotidiano para suprir demandas de trabalho?
LFP. Hoje tenho mídias sociais muito ativas, mas nunca vou a elas. Estou dizendo isso porque o convívio com as mídias sociais acaba criando uma espécie de pedagogia de edição da vida. Eu não tenho esse hábito. Inclusive, nos conteúdos, o que acontece é que o assunto que decido tratar na Folha eu não posso tratar em outra mídia antes de ser publicado. O tema da Folha vem sempre primeiro. E há outros temas que você pode tratar num podcast de alguns minutos, por exemplo. É diferente de um espaço que tem sempre a reverência do jornal impresso.

VC. O que aprendeu escrevendo para o jornal?
LFP. Durante esses onze anos, mesmo quando eu tirei férias, não houve uma segunda-feira sequer que eu não tenha publicado uma coluna. É uma devoção. E se transformou, de fato, num espaço de reflexão para mim. Espero que também para os leitores. Mudou meu estilo de escrita. Me ensinou que o que eu escrevo tem alguém que quer ler, algo que na academia nem sempre a gente se lembra. Me ensinou que quase nada precisa de mais de 4.400 caracteres para ser dito. É uma referência, uma plataforma mais nobre. Nos últimos dois anos, eu desenvolvi mídias sociais inclusive porque quando elas ganharam força havia muitos perfis falsos, pessoas alterando textos, distorcendo as originais para frases horrorosas. Eu acabei formando um grupo, de ex-alunas, que eu contratei para cuidar das minhas mídias sociais, incluindo um canal no Youtube, Instagram, plataformas online.

VC. Como observa as redes sociais?
LFP. A capilarização e a sensibilidade das mídias sociais, o que agora é um problema para o modelo de negócio do jornal impresso, se impõem inclusive aos formatos mais nobres, mais clássicos. Daí a necessidade de convergência das plataformas. Não tem comparação. Não importa se é um programa mais simples como um Excel para a venda de livros ou para o aumento na circulação de ideias, o que cresceu muito. Neste sentido elas são fantásticas.

VC. Isso significa ideias mais rasas?
LFP. Quando comecei a fazer o canal do Youtube, há um ano e meio talvez, acabei aprendendo também porque é uma outra mídia. Estou na TV Cultura há nove anos e lá tenho que falar em um minuto, às vezes em 30 segundos. Rádio é um pouco mais solto, com um pouco mais de tempo. Youtube não pode passar de seis minutos, mas menos de três parece coisa nenhuma. É claro que é mais raso, mas esse “ser mais raso” não significa que você não dê um tratamento mais qualificado do que o banal.

VC. Como seus alunos reagem a um texto recente em que você diz que a deles é uma geração perdida?
LFP. Com relação aos alunos, são só reações positivas. Gosto muito de dar aulas. Comecei por volta de 1996 e sempre tenho uma relação muito direta com os alunos. O que acontece hoje, por exemplo, e já há alguns anos, é que quando eu entro na sala de aula eles já me conhecem das mídias sociais. Ou seja, quando eu entro, já há a imagem de alguém que é famoso na mídia. Com o passar do tempo, eles entendem que ali se trata de uma outra relação. Pedem para eu assinar livro para o pai, há o que fala que é meu fã ou me segue. Trato disso, mas sempre volto para o assunto da aula. Isso cria uma percepção da rotina de que aquele que está com eles não é o Pondé da mídia. Isso funciona muito bem porque cria a percepção de que eles têm uma relação comigo que é diferente da relação que as outras pessoas têm. Atravessei o ano de 2018, o auge da polarização política, sem ter sequer um problema na sala de aula. Todo mundo sabe que eu fui um crítico feroz do PT durante anos e agora começo a ser um crítico feroz do Bolsonaro na medida em que ele assumiu, mas eu nunca tive problema em sala de aula. Por conta do trabalho na mídia e da minha profissão, problema eu tenho com os colegas, professores. Com os alunos não. Inclusive porque, com os alunos, às vezes acontece de trazerem questões importantes, como me perguntar, por exemplo, se eles estão “mais frouxos”? E eu respondo que estão sim. Penso que há uma escassez tão grande de pessoas dispostas a dizer algo reto, porque todo mundo está tão preocupado em agradar, em fazer marketing, que quando alguém diz algo que aparentemente não seria legal, mas não diz isso mal-educadamente, quase comove. Posso dizer tranquilamente: “acho que vocês, meninos, andam meio frouxos sim, e que as meninas estão ficando de bode de vocês, que não têm coragem de fazer nada”. Esses assuntos aparecem às vezes. Mas com os colegas é guerra e o pau come. Porque na academia você não pode fazer sucesso.

VC. Você almejou a notoriedade?
LFP. De certa forma eu almejei. Não significa que eu tivesse consciência do que significava na prática. No começo, eu levei susto porque quando você não está acostumado, as pessoas falam com você em lugares públicos, na rua, e comigo aconteceu nos últimos dez anos, junto com a projeção das mídias sociais. Então, isso foi num volume geométrico que, no começo, me assustava. Eu diria que o principal problema que eu tive foi em relação a minha família, porque a família também tem que se acostumar com o fato de que um de seus integrantes virou uma espécie de celebridade pop, porque, de repente, estou com a minha mulher e sou abordado por outra mulher que quer um selfie comigo. Ou com a minha filha. Até hoje é um problema. Mas eu já sei mais ou menos o que acontece, e com as mídias sociais a faixa etária das pessoas que abordam baixou, já é outra.

VC. Por que diz não observar essas mídias?
LFP. Por temperamento. Nunca vou às mídias sociais e não sei nada do que falam de mim. Não me preocupo com isso. Sou tão ocupado com o cotidiano que esse tipo de temperamento me protege. Não fico pensando em resultados ou no que pensam, no que falam de mim. Se estão me xingando, por exemplo. A minha equipe faz um filtro total e eu não tenho ideia de nada. Um exemplo: se você me disser que o Olavo de Carvalho me xingou, fez um vídeo para isso, o que de fato aconteceu algum tempo atrás, eu não sei o que ele disse. Tudo porque, na minha coluna na rádio Bandeirantes, o José Paulo de Andrade me fez uma pergunta sobre o Olavo. E eu respondi dizendo que eu achava que ele não tinha nada que fazer no governo, que era uma influência meio paranoica e que ele tinha atingido uma certa projeção pública porque sempre esteve nas mídias sociais, mas nunca institucionalmente. Ele nunca deu aula numa universidade. E anos atrás, também quando me perguntaram sobre ele, eu disse num vídeo que ele tinha um papel importante em formar jovens no sentido bibliográfico, quando aqui não se tinha acesso a determinados textos. Por causa isso, sei que ele fez um vídeo me xingando. Várias pessoas me mandaram o vídeo e eu nunca vi. Eu não tenho curiosidade para ver, entende? Por uma questão de temperamento. É claro que eu vou ao debate, estou atento às perguntas, respondo quando sei, digo quando não sei. Mas para esse tipo de ruído a minha curiosidade é zero. O Marcelo Tas me disse que é um modo de fazer sexo sem correr riscos de ser contaminado por doenças sexualmente transmissíveis.

VC. Como lida com o ego?
LFP. Normalmente quem não me conhece e tem contato comigo apenas via mídias acha que eu sou uma pessoa extremamente metida, vaidosa. E isso nasce do fato de que sempre que eu falo, discuto alguma coisa, tenho muita certeza do que estou dizendo. Posso inclusive estar errado, mas eu vou achar que estou acertando. Pelo tipo de opinião, uma coisa meio irreverente, isso acaba projetando uma imagem e a ideia de que eu sou uma pessoa supervaidosa, egoica. Mas o reconhecimento profissional é inebriante porque vai do próprio reconhecimento que alimenta a vaidade pessoal, do tipo “eu tenho sucesso, eu consegui”, até o ganho econômico, financeiro, associado a isso. Até o número de mulheres que se interessam por você é maior por causa disso. Sem dúvida nenhuma, isso alimenta o ego. Como eu sou muito ocupado com a minha família, com os meus dois filhos – e agora tenho uma netinha –, muito envolvido com o cotidiano, eu não consigo ser tão vaidoso como eu seria se tivesse tempo livre. No sentido egoico de ficar pensando nisso. Sou focado no trabalho, em questões concretas. Sou muito pouco metafísico, apesar de lidar com muitas questões metafísicas. Minha cadeira é a Filosofia da Religião há muitos anos na PUC. E muitas vezes tenho um temperamento mais melancólico no dia a dia, diferente do que aparece na mídia. Funcionam um pouco como pesos e contrapesos no cotidiano. Por isso, acabo não sendo tão vaidoso quanto eu poderia ser.

 

O escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé participa de bate-papo para o lançamento de seu novo livro, Filosofia do cotidiano – Um pequeno tratado sobre questões menores (Editora Contexto), no dia 23 de abril na loja da Fradique.