As expectativas em torno da estreia de Os últimos Jedi no mês que vem movimentam o universo estendido de Star Wars e as infinitas possibilidades da mitologia, do cinema e dos livros que fascinam há quarenta anos
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 (novembro/2017).
Por Rafael Menezes*
O filme Star Wars: Os últimos Jedi, de Rian Johnson, oitavo episódio da franquia que há quarenta anos redefine a mitologia mais popular da atual geração, estreia no próximo dia 15 de dezembro e a curiosidade em torno do novo título gera expectativa mundial. Mesmo quem nunca assistiu a alguns minutos de Star Wars é capaz de reconhecer a máscara de Darth Vader, já escutou o termo “Jedi” ou a maneira peculiar que certo personagem verde enuncia seus ditados. Se formos mais além, alguns podem até conhecer um dos maiores plot twist do cinema sem nem saber em qual capítulo ocorre. Star Wars definitivamente é um produto único no nosso universo, ainda que se passe em uma galáxia muito, muito distante.
Os sabres de luz, as frases emblemáticas, a trama hiperbólica espacial que popularizou o termo space opera são algumas das contribuições mais imediatas que podem ser destacadas. Hoje, quando pensamos em uma obra que chegue perto da popularidade ou do conhecimento, ela é cuidadosamente fabricada para se aproximar do status da criação de George Lucas. O trajeto da “cinessérie”, porém, é muito mais orgânico e extremamente pautado no universo estendido existente nos livros.
Star Wars (ou Guerra nas Estrelas para os saudosistas) era uma obra única em 1977. Somente em 1981 ganharia o subtítulo Episódio IV: Uma Nova esperança, com a assinatura de um jovem diretor, George Lucas, que estava ajudando a recriar o cinema americano junto com Spielberg, Coppola e Scorsese. O filme, cujo roteiro agora parece muito comum, era, na origem, “fora do normal” para as convenções da época. A começar pela Telemaquia que inicia a projeção, em que os protagonistas são dois robôs que mais parecem figurar em uma comédia do que em uma ficção científica. O filme evolui então para apresentar seu herói, a princípio relutante mas forçado a um confronto quando sua casa e seus tios são destruídos pelo Império, a grande força totalitarista que é motor do conflito original.
Luke Skywalker, herói e figura trágica, também não era um “herói” nos padrões da época, em um mundo sob medida para James Bond, Flash Gordon e Capitão Kirk. A figura do protagonista era sempre heroica e destemida. Certa relutância, hoje tão comum como passo lógico da ascensão de um herói, encontrava em Luke uma projeção perfeita, mas isso
Joseph Campbell pode explicar melhor que eu em O herói de mil faces (Cultrix). Os demais personagens também subvertiam as expectativas do público. Uma princesa que nada tinha a ver com as princesas da Disney ao não hesitar pegar em armas para defender sua rebelião, assim como ser independente tal qual sua intérprete, Carrie Fisher. Há também o contrabandista malandro que é apresentado como um assassino sangue-frio (pelo menos até 1997, quando a cena em questão foi alterada para um relançamento), um elemento de desconfiança até os momentos finais da projeção, e o Sábio, que beirava a farsa, brilhantemente interpretado por Alec Guinness que assim como Gandalf se sacrifica para progressão do herói. Esses eram os personagens principais que traziam a humanidade para o universo de Star Wars, além, é claro, do vilão metálico, um primor na questão design mais do que personalidade, no primeiro filme, e que contrariando as convenções terminava a história vivo.
É curioso notar como Star Wars é um filme mais pautado em personagens do que em ação, uma regra que a maioria dos blockbusters modernos não segue. Esse termo, que nunca vingou em português (“arrasa-quarteirão”), foi criado nos anos de 1970 com os sucessos estrondosos de Tubarão (1975) e de Star Wars (1977). Curiosamente, foram duas obras que tiveram produções conturbadas, quase não chegando à finalização. O primeiro pelas falhas na utilização do tubarão mecânico. O segundo pela falta de dinheiro. O Império contra-ataca (1980), a lendária continuação, porém, começaria a desenhar uma história maior e ainda mais épica ao se concentrar em Darth Vader para a sequência da trama.
O filme mostra o Império progredindo em sua caça aos Rebeldes ao mesmo tempo em que apresenta Luke indo atrás de conhecimento para se tornar mais forte e, consequentemente, derrotar Vader. As inovações do segundo filme são várias, em especial o subtítulo Episódio V, que surpreendeu o público de 1980 pois indicava que essa história estava na metade. O final sombrio com o Império ganhando e a revelação (spoiler alert) de que Vader é o pai de Luke tornariam a saga da família Skywalker ainda mais famosa. A história só seria fechada em 1983 com O retorno de Jedi, e esse poderia ser o fim do universo de Lucas se não fosse seu universo expandido.
Tudo o que sabemos do universo em Star Wars é fruto dos anos de 1990, quando a expansão na literatura começou e a retomada nos cinemas se deu com os então novíssimos efeitos especiais. Em 1997, o clássico foi apresentado a uma nova geração, além de uma pré-sequência, prequel em inglês, contando a história de Vader iniciada em 1999, mas que nunca teve o mesmo impacto. Nos anos de 1970 e 1980, imediatamente ao final de Star Wars, há pouco material relevante sobre a história. Talvez o único romance interessante seja Star Wars: Splinter the mind’s eye (Del Rey), escrito por Alan Dean Foster em 1978. Seria a continuação oficial de Star Wars, com Luke e Leia procurando um talismã mítico que amplificaria os poderes Jedi de Luke, e Vader obviamente tentando impedi-lo. Essa história foi encomendada por George Lucas para ser a continuação de “orçamento baixo” da série. Como o filme foi um sucesso mundial, Lucas teve um orçamento três ou quatro vezes maior, e seguiu por um caminho mais relacionado a sua ideia original, ou seja, com os temas familiares que podem ser encontrados nos primeiros rascunhos do projeto.
O “rascunho” de 1974, aliás, foi adaptado para uma graphic novel em 2003 e recentemente lançado pela Panini sob o título de A guerra nas estrelas. Aqui, Luke Skywalker não é um menino, mas sim um mestre Jedi que treina Annikin Starkiller para ser um Jedi. Esse script já pressupõe os Sith (termo introduzido somente nos anos 1990), as relações familiares no meio da guerra espacial e um Han Solo que é um lagarto gigante (?!).
Essas obras, no entanto, são tudo o que Star Wars poderia ter sido – e felizmente não foi. A criação-chave para entender o que o universo expandido significa só veio em 1991. Foi quando George Lucas deu carta branca para contar o que vinha depois da trilogia original. Mas jamais a história de Vader. Assim, o primeiro livro – que é indiscutivelmente um dos melhores e a base para toda a expansão – é Herdeiro do Império. Cinco anos após a derrota do Império, mostra que nada cai instantaneamente enquanto os vilões remanescentes começam a reestruturar o Império em torno da figura do Almirante Thrawn, um clássico e terrível vilão que nasceu nos livros e continua até hoje na série. O livro foi um sucesso estrondoso e a primeira parte de uma trilogia sobre a guerra contra Thrawn, sendo precedido por Ascensão da força sombria (1992) e O último comando (1993), todos publicados no Brasil pela Aleph.
Sombras do Império (Aleph) em 1996 foi outro projeto ambicioso. Um livro com projeto multimídia envolvendo games, quadrinhos, brinquedos, cards e até uma trilha sonora exclusiva: nada mais, nada menos que todos os extras de um filme, só que para um livro. A grandiosidade do projeto, que hoje parece tão comum quando um novo filme chega ao cinema, foi única para época. E mantém o “tratamento ímpar” para um romance. A trama construída por Steve Perry se centra no ano perdido entre O Império contra-ataca e O retorno de Jedi. Mostra os heróis fugindo do Império enquanto bolam um plano para resgatar Han Solo e um Darth Vader tendo de unir forças, contra sua vontade, a um chefe do crime, Xizor, que almeja o lugar de Vader. O tom político do livro seria muito influente na saga literária. A ideia de Sombras do Império também serviu de termômetro na concepção para o relançamento do filme nos cinemas, com novos efeitos especiais. Foi uma estratégia mais que acertada, pois o boom de fãs de Star Wars se deu menos em função do lançamento original e mais por causa dessa era.
Na primeira década de existência, o universo expandido criou uma linha do tempo que literalmente se estende até 125 anos após a queda do Império e três gerações de Skywalkers. Dentre os romances, a série de The New Jedi Order foi um marco e chegou a 19 volumes. Iniciada com Vector Prime (Del Rey) de 1999, marcou também o momento em que Chewie morre. A série teve uma trama longe da oposição com o Império apresentando novos inimigos, uma história muito política e, além dos clássicos personagens, uma nova geração de Jedis nos filhos de Leia (Jaina Solo, Jacen Solo e Anakin Solo) e de Luke (Ben Skywalker).
O leitor pode até ficar confuso com algumas informações agora. Chewbacca morto e quatro descendentes dos Skywalker não é o que foi visto em O despertar da força. Isso porque todo o universo foi criado nos livros que ajudou a expandir e definir a mitologia Star Wars, mas desde que a Disney assumiu as réde
as da marca esta não é a história oficial. A história posterior será a contada agora nos filmes. O “outro universo” ficou com o selo Legends, oficialmente descrito como “lendas que as pessoas contam na galáxia e que podem ou não ser verdade dentro do universo oficial”. Na prática, significa dizer que Star Wars tem dois universos, o cânone e oficial, e o Legends, que engloba toda a produção dos anos 1990. É regra similar a que George Lucas tinha na época, quando não podia contar histórias anteriores à trilogia original. Mas após a saída dos filmes da prequel, entre 1999-2005, porém, estava liberado, e então o universo estendido começou a explorar, na década seguinte, todas as possibilidades anteriores. Dessa leva, destaque para Caminho da destruição (Universo dos Livros), que inicia
a trilogia Darth Bane, o primeiro Sith que ajudou bastante a compreensão sobre os inimigos, e Darth Plagueis (Aleph), de James Luceno, celebrado hoje como uma das melhores escritas e essencial para entender o lado negro da Força, em que seguimos a vida do vilão do título – que é nada mais que o mestre do futuro imperador Palpatine.
Desde que a Disney se tornou a dona da marca Star Wars, o projeto corre com menos intensidade do que no período 1991-2012, mas com muita assertividade para criar um novo
universo mais conciso. Os romances se centram na progressão da história que está sendo contada no cinema, pois há também lacunas de tempo. Cria-se, assim, um universo mais diverso e inclusivo, delineando melhor personagens coadjuvantes que não tiveram ainda sua história aprofundada. Esse é caso do maior lançamento do ano do universo expandido, Thrawn (Aleph), o almirante criado por Timothy Zahn que se tornou um personagem tão icônico nos livros que, mesmo após a mudança, é um personagem do universo oficial. Seu début no universo canônico foi na série animada Rebels, na terceira temporada, para a surpresa fãs. O romance deste ano, escrito pelo mesmo Timothy, narra toda a ascensão do personagem no império galáctico.
Ainda podemos destacar, dentro desse novo universo, Estrelas perdidas (Seguinte), de Claudia Gray, mais voltado para o segmento juvenil, mostrando dois jovens (Ciena e Thane), amigos de infância, que seguem por caminhos opostos, o imperial e o rebelde, durante o período da trilogia original. Um dos pontos mais reforçados nessa retomada é a humanização dos vilões, como na figura da jovem cadete Thane, que permanece leal ao Império e à almirante Rae Sloane, de Marcas da guerra (Aleph). A trilogia mais importante dessa nova era mostra a reorganização do Império em Primeira Ordem, e segue um grupo de outsiders nessa nova ordem pós-império. Tem a leveza da aventura da trilogia original e personagens cativantes. As crianças também têm sua própria série literária com Academia Jedi, hoje em seu terceiro volume em português. Possui a dinâmica de um Diário de um Banana e aborda temas associados à vida na escola.
Além de Thrawn, que sai esse mês, temos também o universo expandido entrando oficialmente com uma história em games com Battlefront II (Warner Games), abordando o período específico entre os filmes pela perspectiva de uma soldada, Iden Versio, entre a queda do Império e a ascensão da Primeira Ordem vista em Episódio VII, além do encadernado com o primeiro rascunho da história, de 1974, A Guerra nas Estrelas (Panini).
O universo de Star Wars é tão rico em informação e em histórias paralelas que estamos hoje vendo mais um renascimento da franquia. Se o clássico original redefiniu o que era a fantasia em meio a estrelas, ao criar um mix de todas as aventuras possíveis (samurais e caubóis, magia e tecnologia) em um único lugar, o universo expandido dos anos de 1990 trouxe o conceito de grandiosidade e riqueza em detalhes que a série merecia. A trilogia desses anos 2000 tenta redefinir os rumos do cinema em termos tecnológicos, mas em parte ainda não conseguiu. Assim, em seu quarto “renascimento”, Star Wars hoje se volta à humanização dos personagens, à presença da diversidade, antes ignorada na galáxia, e às histórias que mais uma vez servem de alegoria às repressões e preconceitos. Os livros também seguem essa lógica criando opções para todos: crianças, jovens e adultos, fãs de longa data ou novos padawan’s. Ou seja, a Força hoje está com todos.
*Leitor voraz, cinéfilo, gamer e expert em assuntos nerds, Rafael Menezes é formado em Letras pela USP, trabalha no setor de importação da Livraria da Vila e foi iniciado nos ensinamentos da Força pelo obscuro VHS, mas avisa que ainda não tem um sabre de luz em casa.