Com uma obra de tons proféticos que ainda influencia a ficção científica, Aldous Huxley se opôs ao horror totalitário
“Vivemos, agimos e reagimos uns com os outros; mas sempre, e sob quaisquer circunstâncias, existimos a sós. Os mártires penetram na arena de mãos dadas; mas são crucificados sozinhos. Abraçados, os amantes buscam desesperadamente fundir seus êxtases isolados em uma única autotranscendência; debalde. Por sua própria natureza, cada espírito, em sua prisão corpórea, está condenado a sofrer e gozar em solidão. Sensações, sentimentos, concepções, fantasias – tudo isso são coisas privadas e, a não ser por meio de símbolos, e indiretamente, não podem ser transmitidas. Podemos acumular informações sobre experiências, mas nunca as próprias experiências. Da nação à família, cada grupo humano é uma sociedade de universos insulares.”
Definitivo e memorável, esse breve trecho de As portas da percepção, do escritor inglês Aldous Huxley, autor de Admirável mundo novo, que é referência para incontáveis tramas de ficção científica, é uma ótima citação para lembrar, no próximo dia 22 de novembro, dos 55 anos da morte de um autor extraordinário, cuja obra ganhou um viés meio profético.
Veja-se o exemplo de Admirável Mundo Novo, o livro mais conhecido de Huxley, publicado originalmente em 1932. Na trama, há uma sociedade de castas só possível porque toda a população passa por um condicionamento biológico e psicológico para garantir uma espécie de submissão absoluta. Muito antes de isso ser uma possibilidade real, Huxley já falava de manipulação genética e dos avanços da ciência.
Guru da era hippie, por causa da disponibilidade para experimentar as viagens mais alucinógenas (com LSD e a mescalina, sob o nobre pretexto de expandir sua consciência), ele ajudou a inspirar o termo social science fiction por causa da história que se passa no imaginário século VII d.F. (depois de Ford), citando, neste caso, Henry Ford, o empresário americano responsável pela produção em série que revolucionou as indústrias no século 20. Na ficção, as regras sociais sustentam um estado autoritário de forma pacífica. Uma distopia assustadora, como qualquer autoritarismo, na ficção ou na realidade.
E se a história de fato é cíclica – ou pendular –, é importante lembrar que nos anos de 1930 a literatura e as artes se preocupavam evidentemente com o surgimento do fascismo e das ideologias totalitárias. Tanto que, no prefácio da edição de 1947 de Admirável mundo novo, ou seja, mais de uma década depois do lançamento do livro, Huxley observou atentamente o intervalo histórico em questão. “Vendo bem, parece que a ‘utopia’ está mais próxima de nós do que se poderia imaginar há apenas quinze anos. Nessa época coloquei-a à distância futura de seiscentos anos. Hoje parece praticamente possível que esse horror se abata sobre nós dentro de um século. Isto se nos abstivermos, até lá, de nos fazermos explodir em bocadinhos (…)”.
De uma família muito conhecida e respeitada – o avô era um ilustre naturalista e o pai, professor e escritor – Aldous Huxley nasceu em julho de 1894 no sul da Inglaterra e abandonou precocemente os estudos por conta de uma doença nos olhos que quase o deixou cego. Ao recuperar a visão, em 1913, entrou para o Balliol College, em Oxford, onde obteve a licenciatura em Literatura Inglesa em 1915. No ano seguinte, começou a publicar poemas. Trabalhou como jornalista e crítico de teatro. Seu primeiro livro sai em 1921. Huxley viajou muito até se mudar definitivamente para os Estados Unidos, em 1937. Ele se fixou em Hollywood
como roteirista.
Na década de 1940, passou a se interessar pelos textos místicos da Índia. A década de 1950 marcou sua aproximação com as drogas, conforme se lê em As portas da percepção, de 1954. “Aldous Huxley foi um legítimo herdeiro do ethos iluminista e antirreligioso de seu avô. As portas da percepção e Céu e inferno são relatos pacíficos de uma experiência extraordinária e sugerem um autor que não transfere para a escrita as fendas e as instabilidades de sua paisagem interior”, escreveu o crítico Manuel da Costa Pinto, no prefácio da edição do livro que a editora Globo publicou em 2005. Aldous morreu em Los Angeles aos 69 anos.