A despedida de Stan Lee consagra os grandes poderes e responsabilidades de um artista brilhante
O mundo certamente ficou menos interessante com a morte, no mês passado, aos 95 anos, do quadrinista americano Stan Lee. O desaparecimento do criador de super-heróis que têm mobilizado e encantado diferentes gerações repercutiu com a mesma intensidade do talento de um gênio que nunca tomou para si méritos excessivamente autorreferentes. “Nunca haverá outro Stan Lee. Por décadas ele deu tanto a jovens e ‘velhos’ aventuras, distração, conforto, confiança, inspiração, força, amizade e diversão. Ele celebrava o amor e a gentileza e deixará uma marca permanente em tantas, tantas, tantas vidas. Excelsior!”, escreveu, em suas redes sociais, o ator americano Chris Evans, que viveu o Capitão América no cinema.
Excelsior, aliás, foi uma expressão que se multiplicou mundo afora também no momento da despedida de Lee. Para quem não sabe, Lee “capturou” a expressão originária do latim – que significa algo majestoso, grandioso, incrível – como uma exclamação recorrente em suas histórias, quase como uma marca registrada. Basicamente, ele explicou, para se distinguir das “atitudes” de “colegas” que o copiavam em expressões mais corriqueiras e que apareciam na boca de seus personagens. “Vi que a concorrência sempre imitava e decidi, então, por uma expressão cujo significado eles não saberiam. Foi assim que comecei a usar excelsior e nunca mais parei”, explicou Lee.
Nascido em 1922, em Nova York, Stanley Martin Lieber começou a publicar histórias em quadrinhos com o pseudônimo de Stan Lee em 1939, depois de ser contratado por John Goodman, primo da mulher de Lee, Joan, e fundador da editora Timely Publications. Fez um tremendo sucesso e se tornou um dos quadrinistas mais prestigiados e disputados ao criar personagens como Homem-Aranha, Thor, Hulk, X-Men, Pantera Negra, Homem de Ferro, e Demolidor. Roteirista e editor da Marvel, Lee foi um dos responsáveis, a partir da década de 1960, por transformar a editora na gigante mundial dos quadrinhos, além de revolucionar o interesse pelas HQs entre o público adulto, com criações como Quarteto Fantástico.
“Penso nesses super-heróis imaginando o jeito que os jovens leem contos de fadas. Quando você tem três, quatro, cinco anos, lê sobre gigantes, bruxas e monstros e coisas assim. Eles são coloridos e maiores que a vida, e você é uma criança e está impressionado com eles. Mas quando você fica um pouco mais velho, já não consegue mais ler contos de fadas. De repente, vêm essas histórias de super-heróis e, para mim, são como contos de fadas para adultos, porque são todos maiores que a vida. São personagens que realmente possuem habilidades que nenhum ser humano possui. Você está recuperando a diversão que teve quando criança, quando lia contos de fadas. Então eu não acho que há algo muito mais profundo do que isso”, disse Lee numa entrevista concedida em 2015.
Longe de ter fórmulas mágicas ou composições de vigor imbatível, a obra de Lee, que foi potencializada a partir dos anos de 1980, quando a Marvel Comics e a Marvel Productions foram adquiridas pela New World Entertainment, parece fascinante ao usar poderes mágicos, inimagináveis, que aprofundam a compreensão do humano. Os personagens e as aventuras envolvem simultaneamente dramas familiares e heroísmos típicos da ficção científica, com histórias e biografias que ajudaram a compor figuras tão complexas quanto realistas.
“Tal como os gregos que ensaiavam inúmeras vezes o destino trágico de Édipo, não importa quantas vezes Peter Parker ganhe seus poderes de Homem-Aranha, ele sempre vai testemunhar a morte do tio que lhe criou depois que ele escolhe não impedir um criminoso comum. Independentemente de quantas versões possamos ver, o Homem-Aranha sempre vai ser modelado pela frase icônica: ‘Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’”, escreveu, em seu blog, o psicólogo Dan Josua, em texto intitulado Por que nos identificamos com os super-heróis? Um obrigado a Stan Lee, para homenagear, como fizeram alguns pensadores, artistas e autores de diferentes interesses, toda a potência da obra cativante de Lee. Vida longa aos seus, aos nossos super-heróis.