Um músico genial

A vida começava lá traz a carreira e a vida extraordinária de Fernando Barba, o criador do Barbatuques

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 187 (Novembro/2019)

Foto Divulgação

O domingo, 24 de novembro, vai ficar muito mais musical na loja da Fradique com o lançamento de A vida começava lá – Uma história de repercussão corporal (Stacchini Editorial), livro feito em parceria pelos irmãos Fernando Barba e Renata Ferraz Torres. Músico, pesquisador e educador, Barba, como ficou conhecido entre amigos e no circuito das artes e espetáculos, construiu uma carreira brilhante, e em 2017, aos 45 anos, teve que enfrentar um enorme desafio pessoal: uma cirurgia para a remoção de um tumor cerebral que acabou provocando danos motores. Com um Lado A e um Lado B, a exemplo dos melhores discos em vinil, o livro percorre essa trajetória emocionante.

O projeto do livro se concretizou a partir dedicação meticulosa de Renata, médica psiquiatra com habilidade admirável para o texto. Foi ela quem colheu e organizou os relatos do próprio irmão e reuniu depoimentos de mais de 60 amigos e colegas de Barba, incluindo 23 parceiros do Barbatuques, entre músicos, técnicos e produtores que fizeram ou fazem parte do grupo.

“O livro significa uma afirmação, uma celebração da vida, como exemplo das coisas maravilhosas, terríveis e surpreendentes a que estamos sujeitos. O Barba costuma dizer que não estava preparado para o que aconteceu e nós sempre achamos, existencialmente, que nunca estamos preparados para o que vem. Não tem como se preparar para um futuro que às vezes é um golpe. E como se adaptar? Se reinventar? Acho que uma palavra muito importante para descrever esse livro é renascimento”, diz Renata.

Criado em 1997 por Barba, o Barbatuques desenvolve um trabalho musical baseado na exploração dos inúmeros sons que podem ser produzidos pelo corpo humano. Com cinco CDs lançados, o grupo é reconhecido internacionalmente e já se apresentou em pelo menos 30 países. Está em diversas trilhas sonoras para o cinema, em filmes como Rio 2, O Menino e o Mundo, Trash – A esperança vem do lixo e Tropa de Elite. Na publicidade, criou músicas para marcas como Nike, Heineken, Apple, Farm e até uma vinheta de final de ano para a Rede Globo.

As apresentações no show de Bobby McFerrin, em São Paulo, em 2008, na Copa do Mundo na África, em 2010, e nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, são, como diz Renata, momentos emblemáticos na carreira do grupo. “Lembro de ter ouvido Bobby McFerrin pela primeira vez quando eu tinha quinze anos. Fiquei muito impressionado. Ele estava em plena turnê pelo Brasil, embora eu não o conhecesse até aquele momento. Mal sabia eu que, muitos anos depois, participaria de um show dele no Theatro Municipal de São Paulo, com o Barbatuques”, conta Barba no livro.

Outro destaque que Renata ressalta são as participações nos IBMF, o Internacional Body Musical Festival. Barba esteve em pelo menos oito edições do evento. “É algo extraordinário, como se fosse uma ‘miniassembleia da ONU’, com pessoas de todos países que fazem música corporal. Acho que nesses momentos ele encontrava a tribo dele. Keith Terry, coordenador do festival, é meio que um irmão do Barba na música”. Além desses momentos artísticos nucleares da carreira de Barba, que é um multi-instrumentista de curiosidade incontrolável para destrinchar sons de novos instrumentos, o livro traz histórias emocionantes como a mobilização surpreendente e ultrarrápida que se deu entre artistas e amigos com um crowdfunding feito quando da descoberta do tumor e da necessidade emergencial de realização de uma cirurgia complexa, de alto custo.

Barba com o Barbatuques. Fotos Inaê Coutinho/Divulgação

“Barba sempre foi destacado como um grande instrumentista. Uma outra passagem que está contada no livro, sobre o quarto CD do Barbatuques, que tem muito a cara, a digital do meu irmão, foi quando eles gravaram com o Hermeto Pascoal, um ídolo da adolescência dele. Eles escolheram uma música de 1982, que se chama Lá na casa da madame eu vi, do Hermeto, e o meu irmão tirou toda a harmonia no violão. E quando ele tocou, o Hermeto ficou de queixo caído e ainda comentou: ‘Eu pensei que vocês eram uns malucos que gostavam de se batucar. Estou vendo que você é um supermúsico. Nunca vi alguém tocar essa música com a complexidade do arranjo que você fez’”, lembra Renata.

Barba inventando sons na praia. Foto Inaê Coutinho/Divulgação

“Eu e o Barba sempre fomos muito próximos, confidentes. Durante o processo do livro, eu fazia anotações, lia para ele, que editava ou pedia para eu refazer trechos, frases, até que chegou num ponto em que ele disse que para o livro ficar bom de verdade eu teria que entrevistar um monte de gente. A partir daí, ele fez uma lista com os nomes, que fomos entrevistando, um por um. Mas fui tudo muito fluído na parceria porque sempre estivemos muito próximos, muito perto um do outro. Eu me sentia uma porta-voz dele”, diz Renata. O editor Rogério Trezza assina a coordenação editorial de A vida começava lá.

O título do livro é uma referência a uma história vivida por Barba ainda na adolescência. “Aos 14 anos, ele fez uma viagem escolar para as cidades históricas mineiras. A garotada foi se divertindo, tocando violão, flauta, conversando, tudo num clima muito artístico. Quando ele desceu do ônibus e pisou em Minas Gerais, logo na primeira cidade, ele teve uma epifania, uma sensação que a vida começava lá, naquele dia, naquele momento. Também tem a ver com a nota musical lá, que é usada para afinar os instrumentos em uma orquestra, o lá fundamental. E o título também tem a ver com recomeços. Do lado A para o lado B, a vida recomeçou. Ele se reinventou”, afirma Renata.

“Uma coisa muito legal é que o Barbatuques prossegue. Não sei se algum dia o Barba vai subir novamente no palco ou não, mas essa semente que vingou, mesmo na ausência dele, eu acho muito bonito. A Miló Martins, que é a iluminadora do grupo, costuma dizer que ao observar a plateia, quando termina o show, as pessoas se dão conta de que ganharam um instrumento. Esse legado, o da percussão corporal como uma possibilidade para qualquer pessoa, para criança, para adulto, para idoso, sem limites, é emocionante”, diz Renata.

 

LANÇAMENTO
Livro: A vida começava lá – Uma história de repercussão corporal (Stacchini Editorial), de Fernando Barba e Renata Ferraz Torres
Loja: Fradique
Quando: dia 24 de novembro, domingo, das 14h às 17h