Com visibilidade e urgência, o feminismo confirma seu protagonismo no debate por uma sociedade mais justa
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 166 (fevereiro/2018).
Ilustração Jonas Ribeiro
O feminismo definitivamente está na ordem do dia. Com o mundo em estado de alerta por conta de questões políticas econômicas, sociais, ambientais, dentre outros desafios que a humanidade terá que enfrentar nas próximas décadas, o movimento que desde o século passado inspira discussões, transformações, livros e debates sobre a condição da mulher na sociedade confirma sua intensidade como expressão e ação urgentes. E agora reverbera com alcance inimaginável antes da experiência da sociedade global. Foi o que aconteceu no mês passado, na cerimônia de entrega do Globo de Ouro, nos Estados Unidos, quando algumas das mulheres mais conhecidas do planeta – por trabalharem na indústria do cinema e do entretenimento – se vestiram de preto, em luto, apesar da noite de festa, para dizer com todas as letras que o tempo do desrespeito com elas acabou. Mais do que sobre os indicados, os premiados ou os injustiçados, falou-se sobre a campanha Time’s up, contra o assédio sexual, do discurso da apresentadora Oprah Winfrey e de um novo tempo que parece se consolidar de forma inadiável.
“Eu tenho especial orgulho e inspiração por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficiente, empoderadas o suficiente para erguer a voz e compartilhar suas histórias pessoais. Cada um de nós nesta sala é celebrado por causa das histórias que contamos. E, este ano, nós nos tornamos as histórias. Mas não é apenas a história que afeta a indústria do entretenimento. É uma história que transcende cultura, geografia, raça, religião, política ou ambiente de trabalho”, disse a estrela da noite, Oprah Winfrey, em discurso contundente e emocionante, ao se referir ao escândalo dos assédios em Hollywood que há meses frequenta o noticiário mundial.
Se o caráter quase “espetacular” desses novos movimentos passou a ser observado imediatamente, online, no mundo inteiro, há especificidades regionais assustadoras quando o assunto é a realidade das mulheres. Duas semanas depois da cena americana, a organização não governamental Human Rights Watch divulgava números aterrorizantes sobre a violência contra a mulher no Brasil. Só em 2016, diz a ONG, 4.600 mulheres foram assassinadas por razões atreladas a própria condição de ser mulher, em especial em casos de violência doméstica. Um absurdo, enfim, que tem rendido reflexões importantes para mudar esse cenário.
“Todas as manifestações contra opressões machistas e de qualquer outra natureza, todos os desmascaramentos que possam ser feitos para melhorar a vida das pessoas, são bem-vindos. No entanto, na condição periférica que o Brasil ocupa, temos ao mesmo tempo que tomar cuidado para não transformar o nosso feminismo em um movimento que segue padrões estrangeiros. É bem importante cuidarmos das nossas características e especificidades. É importantíssima a adesão de feministas de todas as frentes, inclusive das atrizes famosas que dão visibilidade ao movimento”, diz a escritora e filósofa Marcia Tiburi (leia a entrevista aqui), que autografa dia 3 fevereiro, na loja da Fradique, seu novo livro, Feminismo em comum.
O livro de Marcia aponta o diálogo como único caminho possível para contornar distorções históricas e ancestrais que se estabeleceram nas diferenças e desigualdades entre homens e mulheres e confirma, afinal, o que é consenso nas discussões mais lúcidas sobre o tema, ou seja, o feminismo é bom pra todo mundo, mulheres e homens. “É um momento intenso para a consciência da sociedade como um todo acerca dos direitos das mulheres. Feminismo é o nome que damos ao movimento que luta por esses direitos e às pessoas que se engajam nessa luta chamamos de feministas. Há pessoas que não gostam do nome, mas é por puro desconhecimento da trajetória dessa luta que tem modificado o cenário simbólico e concreto da vida em geral. As conquistas do feminismo são boas para todos. E isso é simples de entender se tentarmos responder à pergunta: quem gostaria de viver em um mundo machista? Alguém que responda positivamente a essa questão precisa de ajuda conceitual e moral. A luta feminista é uma luta por direitos e melhorias de condições de vida para todos os seres humanos”, disse Marcia.