A genialidade e a coragem de Nietzsche merecem citações e reverências nos 118 anos da morte do filósofo
“Teremos dado um grande passo, e promovido o progresso da ciência estética, quando chegarmos não só à indução lógica, mas também à certeza imediata, deste pensamento: a evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter do ‘espírito apolíneo’ e do ‘espírito dionisíaco’, tal qual a dualidade dos sexos gera a vida no meio de lutas que são perpétuas e por aproximações que são periódicas”, escreve o filósofo Friedrich Nietzsche logo no primeiro capítulo de A origem da tragédia, citando, com os deuses gregos Apolo e Dionísio, a razão e a loucura, e os “instintos impulsivos” que andam lado a lado e “na maior parte do tempo em guerra aberta, mutuamente se desafiando e excitando para darem origem a criações novas e com elas perpetuarem o conflito deste antagonismo que a palavra ‘arte’ consegue mascarar”. Ainda que aleatórios – e/ou “incompletos” em toda a sua complexidade conceitual ou filosófica –, trechos de textos de Nietzsche sempre têm, além da fluidez das melhores palavras, o alcance da intemporalidade ao perpetuar suas ideias ou falas.
No próximo dia 25 de agosto completam-se 118 anos da morte do pensador alemão nascido no século 19, em 15 de outubro de 1844. Nietzsche morreu em 1900. Mesmo que o mundo do século 21 seja outro e tenha mudado tão radicalmente, muito do que Friedrich Nietzsche pensou e documentou permanece tão atual que ele segue em plena evidência, com toda sua vitalidade intelectual. Nascido em uma família protestante, Nietzsche cresceu com o projeto e a missão de ser pastor, a exemplo do pai e dos avôs. Mas o pai, que zelava por este destino, morreu cedo e o garoto acabou ficando sob os cuidados de duas tias. Precocemente, já revelava fascínio pela música e pelas letras. Na adolescência, quando já tinha inclusive fundado uma sociedade artística e literária, viu sua vida mudar radicalmente por causa do estudo da filologia, que o deixou cada vez mais distante da crença em Deus e dos interesses teológicos.
Ao ingressar na célebre Escola de Pforta, o contato com textos de filósofos como Schiller, Hölderlin e Byron, e dos gregos Platão e Ésquilo, fizeram com que ele se distanciasse definitivamente do cristianismo e da religião. Mais do que se afastar para sempre da teologia, passou a se opor fortemente a ideia da religiosidade e da moral para criar conceitos essenciais com seu ceticismo e seus interesses estéticos. Aos 25 anos, Nietzsche se tornou professor de filologia na Universidade de Basileia e assumiu a nacionalidade suíça. Antes disso, ao conhecer o compositor Richard Wagner, teve um dos encontros mais relevantes para constituição de sua obra, já que a música e a tragédia grega passaram a ser temas para a produção intelectual do filósofo. A origem da tragédia, é exatamente sobre o espírito da música de Wagner.
Em 1870, como enfermeiro voluntário, Nietzsche esteve na Guerra Franco-Prussiana e o contato com a violência e a dor no campo de batalha também se transformou em argumento para a produção intelectual. Quase uma década depois, problemas na voz fazem com que o filósofo tenha que se afastar do magistério, uma de suas paixões, iniciando uma peregrinação por diversos países na tentativa da cura. O filósofo passa a escrever compulsivamente, lançando Assim falou Zaratustra, um clássico da filosofia, depois da temporada que passou em Nice, na França.
Entre outras questões controversas, o pensador disse (em O Anticristo) que “Deus está morto” ao atacar veementemente a moral cristã, apostou na ideia do niilismo, com a descrença total nos valores impostos pela sociedade, e insistiu na ideia e na discussão do “eterno retorno” (em A Gaia Ciência) e os rumos da vida que cada um decide pra si. Nietzsche também protagonizou dramas pessoais no final da vida. Com problemas mentais, teve surtos de loucura a partir de 1889 e até a sua morte. Por causa disso, ficou sob a guarda da irmã que, de má-fé, se aproveitou da incapacidade intelectual e psíquica do escritor para distorcer seus textos e ideias a favor da causa nazista, sempre rejeitada
por Nietzsche.