Nem “cubista” nem “surrealista”, Tarsila do Amaral criou um vocabulário singular com suas ideias, cores e formas
“Sua obra leva implícita a mensagem de que todo desafio cultural é também corporal, que a cultura é cultura do corpo e do sensível: por isso a paisagem se faz corpo e os corpos se fazem paisagem em suas melhores obras. O projeto antropofágico não é simplesmente um projeto de apropriação intelectual, mas um desafio do metabolismo, de digestão sensível do mundo e do outro”, disse o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas ao comentar, no começo deste ano, a abertura, no MoMa de Nova York, da exposição Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil, exibida também no Art Institute of Chicago, nos Estados Unidos, em 2017.
Na mostra, que ganhou resenhas elogiosas da revista The New Yorker e do jornal The New York Times, 120 obras de Tarsila fizeram a cena em um espaço à altura do talento e da importância da artista que sempre foi referência no Brasil e hoje é cultuada, respeitada e muito valorizada internacionalmente. Tarsila nasceu no dia 1o de setembro de 1886, há 132 anos, e passou a maior parte de sua infância numa fazenda no município de Capivari em São Paulo. De família tradicional, aprendeu a tocar piano e a falar idiomas, inclusive o francês. Aos 15, em 1901, começou a estudar no Colégio Sion, na capital paulista, onde pintou Sagrado coração de Jesus, seu primeiro quadro. Aos 20 anos se casou com André Teixeira Pinto, com quem viveu durante uma década e teve uma filha.
Antes de embarcar para Paris, em 1920, para completar sua formação artística, estudou modelagem em barro com o escultor sueco radicado no Brasil William Zadig. Foi nessa época que Tarsila conheceu outra artista importante de sua geração, Anita Malfatti. Em plena efervescência das artes e da vida cultural na capital francesa, Tarsila partiu para Paris. Além de conviver com os grandes nomes da produção local, manteve o contato e os vínculos com os artistas que articulavam, no Brasil, a famosa Semana de Arte Moderna de 1922. Integrou-se oficialmente ao Grupo dos Cinco, formado por ela, Mario e Oswald de Andrade (com quem Tarsila se casaria em 1926), Menotti Del Picchia e
Anita Malfatti.
Viajante fascinada por novas experiências, independentemente de o destino ser a Europa ou o interior de Minas Gerais, Tarsila do Amaral materializou esse gosto e toda a sua vivência em diferentes lugares para descobrir e redescobrir o Brasil com seu trabalho. Devorou, para usar a linguagem antropofagista que deu fama ao modernismo brasileiro, todas as influências da arte europeia para transformá-las de maneira singular em sua obra. “Ela, inconscientemente, colocou em prática estratégias de mútua digestão simbólica. Não acho que Tarsila fosse ‘cubista’, assim como tampouco foi ‘surrealista’, mas sem dúvidas sua obra se informa de ambas as correntes e experiências. Tarsila sempre foi uma artista brilhantemente eclética”, avalia Luis Pérez-Oramas.
Tarsila deu cor e forma à ideia de brasilidade, levando para suas telas as cores da natureza e da cultura popular em quadros como Morro da favela, O vendedor de frutas e Paisagem com touro, todos feitos na década de 1920, assim como o mais famoso de todos, Abaporu, que ela pintou para presentear o marido Oswald de Andrade. Em tupi-guarani, aba significa homem; poru, comer. O quadro, que pertence a um colecionador argentino, vale, segundo especialistas, algo na casa de
R$ 30 milhões.
No livro Tarsila (Globo, 2012), a escritora e dramaturga Maria Adelaide Amaral dedica-se a entender, fascinada, a vida e a obra da artista que retorna ao Brasil em 1922 depois da temporada gloriosa em Paris, e a “personagem” que, meio século depois, chega à velhice. A relação de Tarsila com Mário de Andrade, Anita Malfatti e Oswald de Andrade é objeto de interesse no livro. Momentos cruciais da vida de Tarsila estão presentes na obra, como a conturbada paixão por Oswald de Andrade, as confidências junto a Mário de Andrade, as dificuldades financeiras trazidas pela crise de 1929, a prisão em 1932, o estremecimento da relação com Anita Malfatti, entre outros. Tarsila do Amaral morreu aos 87 anos no dia 17 de janeiro de 1973.