Depois de seis anos de trabalho, Laurentino Gomes traz a público o primeiro livro da trilogia que lança até 2021
*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 185 (Setembro/2019)
O jornalista e escritor Laurentino Gomes autografa dia 28 de setembro, na loja do Shopping Maia, em Guarulhos, o livro Escravidão – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares (Globo Livros), primeiro volume de uma trilogia dedicada à história da escravidão no Brasil. A obra, diz Laurentino, cobre um período de 250 anos, e os dois volumes seguintes, com publicação em 2020 e 2021, serão dedicados ao auge do tráfico negreiro, no século 18, em que mais de dois milhões de africanos foram transportados para o Brasil, ao movimento abolicionista e ao fim da escravidão, pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888.
“Eu considero a escravidão o assunto mais importante da história do Brasil”, afirma o escritor. “Fomos a maior sociedade escravagista do Hemisfério Ocidental por mais de trezentos anos. Quarenta por cento de todos os doze milhões de cativos africanos trazidos para as Américas tiveram como destino o Brasil. Portanto, sem estudar a escravidão seria impossível entender o que somos hoje e também o que pretendemos ser no futuro”, declara o autor dos livros 1808, sobre a fuga da corte portuguesa de dom João para o Rio de Janeiro; 1822, sobre a Independência do Brasil; e 1889, sobre a Proclamação da República. Juntos, os três livros venderam mais de 2,5 milhões de exemplares no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos.
O novo livro é resultado de seis anos de trabalho, entre pesquisas e reportagens, num período em que Laurentino visitou centros de estudos, bibliotecas, museus e locais históricos de doze países em três continentes. Entre outros locais, foi a Cartagena, na Colômbia, maior entreposto de comércio de escravos do antigo império colonial espanhol, e percorreu o sul dos Estados Unidos, cenário da Guerra da Secessão, que custou as vidas de 750 mil pessoas para que a escravidão fosse abolida no país. Também esteve em Liverpool, na Inglaterra, de onde partiam navios para a compra de cativos na África, e morou seis meses em Portugal.
No Brasil, Laurentino visitou quilombos no estado da Paraíba, antigos engenhos de cana-de-açúcar de Pernambuco e do Recôncavo Baiano, a Serra da Barriga, em Alagoas, onde morreu Zumbi dos Palmares, as cidades históricas do ciclo do ouro e diamante em Minas Gerais; as fazendas dos barões do café no Vale do Paraíba, em São Paulo; e o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, maior porto de desembarque de escravos do mundo no século 19. Leia a entrevista do escritor à Vila Cultural.
Vila Cultural. Qual a sua expectativa com o lançamento do livro?
Laurentino Gomes. Acredito que a escravidão seja o assunto mais importante de toda a história brasileira. Tudo que já fomos no passado, o que somos hoje e o que seremos no futuro tem a ver com as nossas raízes africanas e a forma como nos relacionamos com elas. Minha trilogia segue a fórmula dos meus livros anteriores, pelo uso de uma linguagem simples, fácil de entender, capaz de atrair a atenção mesmo de leitores mais jovens e não habituados a estudar o tema. Mas espero dar uma contribuição pessoal para o desafio brasileiro de encarar a sua própria história escravista e dela tirar lições que nos ajudem a construir o futuro.
VC. Em que momento e circunstâncias decidiu que se dedicaria ao projeto de Escravidão?
LG. Essa foi uma decorrência natural da minha primeira trilogia de livros. Estudar 1808, 1822 e 1889, ou seja, as três datas fundamentais para a construção do Brasil como nação independente no século 19, ajuda a explicar a maneira como nos constituímos do ponto de vista legal, institucional e burocrático. Mas não é o suficiente para entender os aspectos mais profundos da nossa identidade nacional. Para isso é preciso ir além da superfície, observar o que aconteceu com os índios e negros, quem teve acesso às oportunidades e privilégios ao longo da nossa história e como a sociedade e a cultura brasileiras foram se moldando desde a chegada de Pedro Álvares Cabral na Bahia até os dias de hoje. Ao fazer isso, me dei conta de que o assunto mais importante da nossa história não são os ciclos econômicos, as revoluções, o império ou a monarquia. É a escravidão. O trabalho cativo deu o alicerce para a colonização portuguesa na América e a ocupação do imenso território. Também moldou a maneira como nos relacionamos uns com os outros ainda hoje. Neste início de século 21, temos uma sociedade rica do ponto de vista cultural, diversificada e multifacetada, mas também marcada por grande desigualdade social e manifestações quase diárias de preconceito racial. Isso, no meu entender, é ainda herança da escravidão.
VC. O que há em comum e o que distingue Escravidão dos outros livros históricos que publicou?
LG. A primeira diferença, e também a mais óbvia, é que essa nova série de livros não tem números ou datas na capa. Os subtítulos são também mais sóbrios do que os anteriores. Escravidão é um tema delicado e sensível para nós, brasileiros, que não comporta qualquer tipo de brincadeira ou provocação na capa de um livro, ao contrário do que eu me arrisquei a fazer, por exemplo, no subtítulo de 1808, em que havia referências a uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta. Feitas essas ressalvas, a linguagem e o estilo da escrita continuam os mesmos. Meu propósito é destacar e explicar alguns aspectos que julgo importantes na análise do assunto seguindo a fórmula já utilizada nos livros anteriores, mediante o uso de linguagem jornalística, simples e fácil de entender. Ou seja, mais uma vez quero ser um “abridor de portas” para leitores jovens, mais leigos, ou que nunca se interessaram pelo assunto. Em três volumes, essa série de livros não pretende nem poderia ser um estudo exaustivo ou definitivo da escravidão. Seria impossível, além de arrogante e pretensiosa, qualquer tentativa de esgotar um assunto tão vasto, importante e premente, embora numa obra que, no conjunto, terá cerca de 1.500 páginas. Por essa mesma razão, ao definir o escopo deste projeto, fiz questão de usar um artigo indefinido no título: “UMA história da escravidão no Brasil”, em lugar de “A história da escravidão no Brasil”. É uma entre muitas possíveis narrativas, visões e interpretações num campo marcado por numerosa, diversificada e complexa bibliografia. Gostaria que essa trilogia servisse, para esses leitores, de porta de acesso para um estudo mais
aprofundado e completo.
VC. Que critérios usou para definir a trilogia?
LG. O primeiro volume tem seu foco principal na África – pela óbvia razão de que ao escrever sobre a escravidão no Brasil é preciso começar pela África. Cobre um período de aproximadamente 250 anos, entre o início das incursões e capturas de escravos pelos portugueses na costa da África, em meados do século 15, até o final do século 17. Traz também alguns capítulos sobre a escravidão em outros períodos da história da humanidade, como na Grécia Antiga, no Egito dos faraós, no Império Romano e nos domínios do islã e na própria África antes da chegada dos portugueses. O segundo livro concentra-se no século 18, auge do tráfico negreiro no Atlântico, motivado pela descoberta das minas de ouro e diamantes no Brasil e pela disseminação do cultivo de cana-de-açúcar, arroz, tabaco, algodão e lavouras e do uso intensivo de mão de obra cativa em outras regiões do continente. Num período de apenas cem anos, mais de seis milhões de seres humanos foram traficados da África para as Américas, dos quais dois milhões (um terço do total) só para o Brasil. O terceiro e último livro se dedica ao movimento abolicionista, ao tráfico ilegal de cativos, ao fim (pelo menos do ponto de vista formal e legal) da escravidão no século 19 e ao seu legado nos dias atuais. São também abordados, nos dois volumes finais da trilogia, temas como a família escrava, as alforrias, a escravidão urbana, as festas, irmandades e práticas religiosas, a assimilação, as fugas, rebeliões e os movimentos de resistência.
VC. Do ponto de vista criativo, o que lhe pareceu mais fascinante e instigante ao dedicar-se a um tema tão duro e custoso – e que nos parece ainda mais desumano neste século 21?
LG. A escravidão é, de fato, um tema doloroso, repleto de sofrimento e crueldade. Ao mesmo tempo, existem aspectos curiosos e instigantes nessa história que poucas pessoas conhecem. Quase ninguém sabe, por exemplo, que até o final do século 17 a maioria dos escravos no mundo era branca. A própria palavra “escravo” (slave, em inglês, ou slavus, em latim) deriva de “eslavo”, povo branco, de olhos azuis, escravizado no leste da Europa e vendido na bacia do Mediterrâneo, aos milhões, desde a época dos romanos. No meu livro existem personagens e acontecimentos que certamente vão surpreender os leitores, caso do rei do Mali, um dos grandes impérios africanos, que dois séculos antes de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral tentou chegar ao Brasil atravessando o Atlântico numa flotilha improvisada de canoas. Ou da rainha africana Jinga, que comandou milhares de guerreiros homens e infernizou a vida dos portugueses em Angola no século 17, e hoje é uma heroína do movimento comunista que fez a libertação do país, na década de 70. Histórias como essas ajudam a jogar luz, atrair e reter a atenção dos leitores para um assunto com o qual todos nós, brasileiros, deveríamos nos preocupar. O Brasil foi construído com trabalho cativo, primeiro indígena depois africano. O legado da escravidão persiste entre nós ainda hoje, na forma de preconceito, exclusão social, ou, pior, de autonegação, como se o tema não existisse ou não merecesse ser estudado. Todos nós que estamos vivos hoje somos descendentes de escravos ou senhores de escravos.
VC. O que, na sua opinião, o livro agrega à discussão tão atual e tão recorrente sobre o racismo no país?
LG. Ao contrário do que se imagina, a escravidão não é um assunto acabado, bem resolvido e congelado no passado. Ainda está vivo entre nós, como se pode ver nos discursos de campanhas eleitorais e nas discussões diárias que aparecem nas redes sociais. O preconceito é uma das marcas das nossas relações sociais no Brasil, embora sempre procuremos disfarçá-lo construindo mitos a respeito de nós mesmos. Um desses mitos diz que somos uma ‘democracia racial’ e que a escravidão entre nós foi mais branca, patriarcal e tolerante do que em outros territórios da América. Tudo isso é ilusório e desmentido pelas estatísticas, que mostram um fosso enorme de desigualdade entre negros e brancos no país em todos os itens analisados. Os descendentes de africanos ganham menos, moram em lugares mais insalubres, estão mais expostos aos efeitos da violência e da criminalidade e têm menos oportunidades em todas as áreas, incluindo emprego, saúde, educação, segurança, saneamento, moradia e acesso aos postos da admiração pública. Esse é um legado da escravidão, mal resolvido no passado e que ainda hoje tentamos negar. Portanto, estudar a herança africana e escravista é fundamental para entender a história do Brasil e as dificuldades e características do país atualmente. O tema costuma ser muito popular no carnaval e outras manifestações populares, como se vê nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. Apesar disso, são poucas as obras no mercado editorial de livros que expliquem o assunto em detalhes e linguagem acessível ao leitor comum. O objetivo desse projeto é preencher essa lacuna.
VC. A propósito, como entende e que reflexão faz neste momento, depois de uma jornada tão intensa, sobre o racismo estrutural no país?
LG. O racismo é uma das consequências mais profundas e duradouras da escravidão africana nas Américas, resultado da exploração desumana, cruel e indigna do trabalho de milhões de pessoas forçadas a cruzar o Oceano Atlântico a bordo dos navios negreiros para viver como cativas no Brasil colônia. Mas é também uma forma de hierarquização de poder. O fundamento do racismo é sempre a ideia de que um ser humano se julga superior ao outro, ao ponto de se sentir autorizado a desprezá-lo ou explorá-lo no trabalho. Isso explica o nascimento de uma ideologia racista durante o período colonial brasileiro, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo. Por essa ideologia, usada como justificativa para o comércio e a exploração do trabalho cativo, o negro seria naturalmente selvagem, bárbaro, preguiçoso, idólatra, de inteligência curta, canibal, promíscuo, “só podendo ascender à plena humanidade pelo aprendizado na servidão”, na definição do africanista brasileiro Alberto da Costa e Silva. Sua vocação natural seria, portanto, o cativeiro, onde viveria sob a tutela dos brancos, podendo, dessa forma, alçar eventualmente um novo e mais avançado estágio civilizatório. Essa ideologia, no meu entender, permanece ainda hoje oculta nas formas preconceituosas de relacionamentos entre brancos e negros no Brasil. Isso faz com que, por exemplo, nas 500 maiores empresas que operam no país, apenas 4,7% dos postos de direção e 6,3% dos cargos de gerência sejam ocupados por negros. Os brancos são também a esmagadora maioria em profissões qualificadas, como engenheiros (90%), pilotos de aeronaves (88%), professor de medicina (89%), veterinários (83%) e advogados (79%). No meu entender, só a persistência de uma ideologia racista, que recusa oportunidades aos negros, explica essas diferenças.
VC. Poderia comentar a experiência de compartilhar com o público (com os filmes no Instagram, por exemplo) “personagens” encontrados e lugares percorridos?
LG. Eu uso as redes sociais para compartilhar com os leitores os bastidores do meu trabalho de reportagem e pesquisa. Ao longo de seis anos, li quase duas centenas de livros, viajei por doze países em três continentes, visitando museus, bibliotecas, rotas e fortificações utilizadas pelo tráfico negreiro tanto na África quanto na América. Estive em Liverpool, na Inglaterra, que era o grande centro fornecedor de mercadorias, capitais e embarcações para o comércio de gente. Fui a Lagos, no sul de Portugal, onde ocorreu o primeiro leilão de cativos africanos registrado na história, na manhã do dia 8 de agosto de 1444, diante do infante Dom Henrique, o Navegador. Reuni milhares de dados e informações e seria impossível descrever tudo isso numa trilogia de livros, por mais volumosa que fosse a obra. Então, ao longo da jornada, decidi fazer uma série de vídeos e fotos que agora estou publicando nas redes sociais. É como se fosse um livro paralelo, em formato digital, que ninguém vai ler no papel. Mas acho também que ajuda a chamar a atenção das pessoas para a importância do tema. É, portanto, um jeito diferente e inovador de lançar livros no Brasil. Espero que outros autores façam o mesmo.
VC. O fato de ter sido tão premiado e bem-sucedido em seus livros anteriores cria algum tipo de pressão para repetir os feitos?
LG. Confesso que, de início, eu surpreendi bastante com a repercussão dos meus livros. Nunca imaginei que existissem tantos leitores interessados em história do Brasil. Isso no começo me gerou um certo desconforto. Até lançar 1808, eu tinha sido um jornalista habituado a entrevistar pessoas. Nunca havia estado sob a luz dos holofotes. E, de repente, em virtude da repercussão do livro, passei a ser chamado a dar entrevistas, palestras, aulas e a participar de inúmeros eventos. Já dei aulas tanto para crianças de oito e dez anos como para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Tive de me acostumar a essa nova realidade. Cheguei a fazer psicoterapia, durante três anos, antes do lançamento do segundo livro, 1822. Mas hoje me sinto totalmente à vontade nessa nova vocação. Gosto de ser escritor, de conversar com o público, de dar aulas e entrevistas. Encaro também como uma missão de ajudar os brasileiros a entender o Brasil que temos hoje.
VC. Como faz para equilibrar esses opostos, ou seja, sair de cena para produzir/escrever, e viver a exposição para evidenciar o trabalho, como agora?
LG. A vida de um escritor tem esses dois momentos inteiramente distintos. O primeiro é de solidão e recolhimento, a partir do momento em que você tem a ideia de escrever um livro e passa a pesquisar sobre o assunto. É uma fase de total concentração, na qual os compromissos públicos só atrapalham. Jorge Amado, por exemplo, quando ia escrever um novo romance geralmente se escondia nas fazendas de cacau dos amigos dele na região de Ilhéus e Itabuna, longe dos telefones e qualquer outra demanda. Eu fico em casa, em Itu, entre os livros da minha biblioteca particular, ou viajo sozinho com minha mulher, a Carmen, minha companheira em tudo que faço na vida. O segundo momento, bem diferente do primeiro, começa quando o livro está pronto para ser lançado. Nessa fase, eu boto o pé na estrada, participo de reuniões com vendedores de livros, para apresentar a nova obra, me envolvo mais intensamente com as redes sociais, dou entrevistas e participo de inúmeras sessões de autógrafos e bate-papo com os leitores. É divertido.
VC. Que percepção tem do país neste momento?
LG. O clima de polarização me preocupa muito. Acho que em nada contribui para a construção do Brasil dos nossos sonhos. Mais preocupante é ver que a discórdia muitas vezes é semeada por quem deveria dar exemplos de serenidade, discernimento e sabedoria. Infelizmente, isso inclui o próprio presidente da República. Durante a campanha eleitoral de 2018 fiquei assustado com a crueza e a falta de sensibilidade que o candidato Jair Bolsonaro demonstrou ao tratar de temas como a escravidão, os quilombolas, o papel das mulheres, os direitos dos homossexuais, dos emigrantes e das pessoas mais pobres na sociedade brasileira. Esse discurso de enfrentamento rendeu votos e muita gente se valeu dele para ser eleita em 2018, mas esperava que, passada a campanha eleitoral, o discurso, o comportamento e as decisões dos eleitos fossem diferentes. Não é o que está acontecendo. Espero, portanto, que o presidente deixe para trás o discurso de palanque e governe para todos os brasileiros, levando em conta principalmente os mais fracos, os mais necessitados, os mais desprotegidos. Precisamos urgentemente cicatrizar as feridas, superar as divisões e encontrar pontos de união que nos ajudem a caminhar em direção ao futuro e enfrentar os desafios mais urgentes.
VC. E como tem observado o jornalismo e a prática da reportagem?
LG. Poucas atividades humanas enfrentam desafios tão grandes e contraditórios quanto o jornalismo. As inovações tecnológicas na produção, edição e distribuição de conteúdo transformaram radicalmente a rotina nas redações. Um exemplo é o uso de telefones celulares para transmitir imagens, que deu mais agilidade aos repórteres e incorporou o próprio leitor/expectador no trabalho de reportagem. Essas mesmas tecnologias, no entanto, estão mudando de forma drástica o comportamento e os hábitos do público consumidor. O resultado é a queda acelerada na audiência dos canais de televisão e na circulação de jornais e revistas. A internet facilita o trabalho de apuração das informações, mas também gera um “empreguiçamento” geral nas redações. Muitos jornalistas deixaram de ir para a rua. Ficaram reféns da tela do computador, em vez de entrevistar pessoas, testemunhar os acontecimentos e tomar contato com a realidade fora das redações. É, portanto, um momento decisivo. O futuro vai depender do empenho, do talento e da capacidade de inovar de cada profissional envolvido nesse desafio. A maior perda diz respeito ao tempo de convivência nas redações. Pressionados pelos novos prazos de fechamento e pela necessidade de produzir e consumir informação quase em tempo real em diferentes meios, editores mais veteranos deixaram de passar às gerações mais novas o que aprenderam. Há pouco tempo para ensinar e orientar as pessoas. Os jornalistas parecem naufragar no oceano das novas tecnologias tanto quanto os nossos consumidores que, lá fora das redações, estão angustiados com a quantidade de informações a seu dispor mediante um simples clique do mouse do computador. Mais do que nunca precisamos aprender a ser seletivos e a separar o velho joio do trigo.
VC. O que seria mais básico e urgente, na sua opinião, para começarmos a mudar os rumos da herança, das marcas da escravidão no Brasil?
LG. Acho que a melhor maneira de enfrentar esses desafios é pelo estudo da história. Precisamos entender e refletir sobre o que aconteceu. Uma sociedade, ou um país, que não estuda história é incapaz de entender a si mesmo porque desconhece as suas raízes. Como não sabe de onde veio, provavelmente também não saberá o que (ou quem) é hoje e muito menos o que será no futuro. Por isso, estudar história é uma tarefa fundamental em um Brasil que, pela primeira vez em mais de quinhentos anos, convida todos os brasileiros a participar da construção do futuro em um regime de democracia representativa. Só pelo estudo de história será possível preparar, ou qualificar, os cidadãos brasileiros para a difícil tarefa de fazer escolhas e organizar a realização do país dos nossos sonhos. Isso inclui o racismo e o passivo social resultante da escravidão.
O escritor Laurentino Gomes autografa seu novo livro dia 29 de setembro na Livraria da Vila do Shopping Maia, em Guarulhos.