Simbólicos ou milionários, eles movimentam a temporada com dois novos Nobel e muitas expectativas sobre o Jabuti
*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 187 (Novembro/2019)
Ao anunciar, no mês passado, os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura de 2019 e 2018, a Academia Sueca não só fez reverberar mundialmente os nomes e a obra de dois autores europeus – o escritor austríaco Peter Handke e a polonesa Olga Tokarczuk (leia abaixo) – como voltou a movimentar, pelo reconhecimento e evidência instantâneos, toda a cadeia produtiva global de livros, em vários idiomas.
Na prática, é como se essa dinâmica da “temporada de prêmios” revigorasse, a partir da divulgação, os interesses e descobertas ligados à leitura. Quem já leu os premiados, por exemplo, concorda, discorda ou polemiza a escolha. E quem ainda não teve a oportunidade de ler pode acabar ficando curioso. Pelo sim, pelo não, já que há muitas controvérsias se prêmios efetivamente aumentam o número de leitores, trata-se do momento máximo do reconhecimento do livro do ponto de vista simbólico.
Sabidamente, este sim, um poderoso propulsor de vendas ao redor do mundo, o Booker Prize, honraria suprema para autores de língua inglesa, também anunciou, no mês passado, os nomes da canadense Margaret Atwood, por Os testamentos, que a Rocco lança este mês no Brasil, e da britânica Bernardine Evaristo, por Girl, woman, other (ainda sem edição em português), como as vencedoras em 2019. A última vez que o prêmio foi “dividido” entre dois autores-livros foi em 1992. Junto com a glória, as escritoras dividem também a quantia de 50 mil libras, cerca de R$ 260 mil reais. Ainda pouco conhecida internacionalmente, Bernardine é a primeira autora negra a ganhar o prêmio.
No Brasil, as atenções e expectativas de escritores, editoras e leitores estão voltadas neste mês para o anúncio dos vencedores do Prêmio Jabuti, o mais tradicional e conhecido por aqui, e do Prêmio São Paulo de Literatura, que divulga os ganhadores também em novembro.
Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o Jabuti está em sua 61ª edição. Com 19 categorias e um vencedor do Livro do Ano, o prêmio recebeu 2.103 inscrições em 2019, um aumento de quase 10% em relação ao ano passado, quando houve 1.963 inscritos. O vencedor de cada uma das 19 categorias ganha
R$ 5 mil e o vencedor do Livro do Ano, R$ 100 mil.
O prêmio homenageia este ano a escritora Conceição Evaristo, vencedora da categoria Contos e Crônicas em 2015, com o livro Olhos d’água (Pallas). Pela primeira vez na história, a cerimônia de premiação, dia 28 de novembro, no Auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer, em São Paulo, terá transmissão ao vivo pela internet. Entre as dezenas de indicados (veja em www.premiojabuti.com.br), há nomes bastante conhecidos, como o da escritora Fernanda Young, que morreu recentemente e é finalista na categoria Crônica, e “novos autores”, ainda pouco identificados pelo público, mas cuja reputação e visibilidades podem, já pela indicação, automaticamente divulgar seus respectivos trabalhos.
“Os prêmios são importantes para posicionar a literatura no espectro da vida das pessoas. Falar, expor, discutir, avaliar, destacar e premiar são etapas relacionadas às premiações. Temos feito um esforço, ano a ano, para tornar o prêmio cada vez mais representativo da Literatura no Brasil”, diz o editor Pedro Almeida, curador do Jabuti (leia a entrevista aqui). “Quando um livro, um autor, parte de uma premiação e ganha as ruas, as escolas, os eventos literários, sabemos que fizemos nossa parte para tornar a literatura um item da cesta básica da vida das pessoas. Hoje, há diversos prêmios e todos eles contribuem para isso e precisam de continuidade. Os livros precisam fazer parte da vida das pessoas, pois são o meio para um país avançar. A educação é o único caminho para melhorar um país”, afirma Almeida.
“Pensando especificamente sobre o Jabuti, acho que há uma consequência bem direta, que é o fato de receber mais convites, ser mais lembrada, vender mais livros, esse tipo de coisa. Mas também acho interessante observar como funcionam esses mecanismos de validação em um nível mais sutil. Parece que algumas pessoas passaram subitamente a me levar mais a sério”, disse, em entrevista à Vila Cultural, a escritora gaúcha Carol Bensimon, autora de O clube dos jardineiros de fumaça (Companhia das Letras), que ganhou o Jabuti de melhor romance em 2018.
Desejados por muitos e sempre comemorados com legitimidade, os prêmios não têm obviamente qualquer relação com o processo criativo dos escritores. A escritora Aline Bei, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 na categoria “melhor romance com autor de menos de 40 anos” pelo livro O peso do pássaro morto (Nós), evita pensar em prêmios. Para ela, é importante, em alguns momentos, se defender “de tudo que é externo ao trabalho do escritor”.
Igualmente externos – e às vezes bastante ruidosos – são os burburinhos em torno das premiações. No ano passado, por exemplo, a Academia Sueca se viu obrigada a cancelar a premiação do Nobel depois de um escândalo sexual envolvendo pessoas ligadas ao prêmio. Tanto que a premiação de Olga Tokarczuk, anunciada em outubro, refere-se ao ano de 2018, numa tentativa evidente de manter a transparência, a reputação e o prestígio. O vencedor do Nobel ganha também 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de R$ 3,7 milhões.
No Brasil, o anúncio, em maio, do nome do músico e escritor Chico Buarque como vencedor do Prêmio Camões de Literatura, o mais importante da língua portuguesa, ainda tem dado o que falar. Tudo porque Chico, que lança seu novo romance este mês (leia aqui), é assumidamente um desafeto do presidente do país, cujo governo instituiu, junto com o governo português, essa “consagração” de um escritor lusófono. O Camões oferece 100 mil euros (cerca de R$ 450 mil) ao vencedor, pagos pelos governos dos dois países. E algumas histórias, oficiais ou não, como a da literatura e do talento soberanos, apesar de todas as diferenças, inclusive políticas, definitivamente não têm preço.