A escravidão agora

Especialistas analisam trabalho escravo em livro organizado pelo jornalista Leonardo Sakamoto

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 189 (Janeiro/2020)

 

Fotos Divulgação

O jornalista Leonardo Sakamoto, organizador do livro, participa de um bate-papo dia 28 de janeiro na loja da Fradique para o lançamento de Escravidão contemporânea (Contexto), que reúne textos de especialistas brasileiros e estrangeiros sobre um dos temas mais urgentes da atualidade. O livro define o que é trabalho escravo, sua história recente, como ele se insere no Brasil e no mundo, o que tem sido feito para erradicá-lo e por que, afinal, tem sido tão difícil combatê-lo.

“Entre 1995 e setembro de 2019, mais de 54 mil pessoas foram encontradas em regime de escravidão em fazendas de gado, soja, algodão, café, laranja, batata e cana-de-açúcar, mas também em carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordéis, entre outras unidades produtivas no Brasil”, escreve Sakamoto no texto de abertura do livro.

Ao longo desse período, prossegue o jornalista, o trabalho escravo deixou de ser encarado como um problema restrito a regiões de fronteira agropecuária, como Amazônia, Cerrado e Pantanal. “Hoje também é combatido nos grandes centros urbanos. Além disso, passou a ser compreendido não como resquício de formas arcaicas de exploração que resistiram ao avanço da modernidade, mas como instrumento adotado por empreendimentos para garantir lucro fácil e competitividade em uma economia cada vez mais globalizada”.

Na prática, significa que todo ano milhares de pessoas ainda continuam sendo traficadas e submetidas a condições desumanas de serviço e impedidas de romper a relação com o empregador. Não raro, são impedidas de se desligar do trabalho até concluírem a tarefa para a qual foram aliciadas, sob ameaças que vão de torturas psicológicas a espancamentos e assassinatos.

Conforme se lê no livro, o artigo 149 do Código Penal brasileiro indica que quatro elementos definem o trabalho escravo, de maneira combinada ou isolada: o cerceamento de liberdade, ou seja, a impossibilidade de quebrar o vínculo com o empregador; a servidão por dívida; as condições degradantes de trabalho e uma jornada tão exaustiva que coloca em risco a saúde e a vida.

“A superexploração do trabalho, da qual o trabalho escravo contemporâneo é a forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como ferramenta. Sem ela, empreendimentos atrasados não teriam a mesma capacidade de concorrer numa economia globalizada”, escreve Sakamoto ao explicar o debate global para uniformizar conceitos e nomenclaturas relacionados ao tema.

Com autores distintos, cada texto do livro discute um aspecto específico da escravidão contemporânea. No capítulo Histórias de liberdade, André Esposito Roston, auditor fiscal do trabalho que coordenou os grupos especiais de fiscalização do governo federal, conta anos de histórias de resgates de trabalhadores e dá rostos aos números e estatísticas.

Mike Dottridge, ex-diretor da Anti-Slavery International, a mais antiga organização de direitos humanos do mundo, fundada em 1839 e sediada em Londres, ex-diretor da Anistia Internacional e consultor internacional para trabalho escravo e trabalho infantil, trata dos documentos internacionais criados para banir a escravidão, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos no texto A história da proibição da escravidão.

O jornalista Leonardo Sakamoto. /Foto Divulgação

O antropólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ricardo Rezende Figueira escreve sobre O trabalho escravo após a Lei Áurea. Como o Brasil enfrenta o trabalho escravo contemporâneo é tema do pesquisador, doutor em Direito do Trabalho e ex-coordenador da área de combate ao trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho, Tiago Muniz Cavalcanti.

Em O perfil dos sobreviventes, Natália Suzuki, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pós-graduada em Direitos Humanos e Intervenção Humanitária pela Universidade de Bolonha, e Xavier Plassat, cientista político pela Sciences Po, em Paris, frei dominicano e coordenador da área de combate à escravidão da Comissão Pastoral da Terra, que há 35 anos atende vítimas de trabalho escravo na Amazônia, traçam um perfil de quem é o trabalhador escravizado hoje no Brasil.

Auditor fiscal do trabalho e doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidad Complutense de Madrid, Renato Bignami compara o combate ao trabalho escravo no Brasil ao que vem sendo feito para erradicar este crime em outros países no texto Como o mundo enfrenta o trabalho escravo contemporâneo.

Siobhán McGrath, professora e pesquisadora da Universidade de Durham, na Inglaterra, e Fabiola Mieres, doutora em Política pela Universidade de Manchester e pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de Durham, analisam, em Trabalho escravo contemporâneo: Um negócio lucrativo e global, de que maneira a falta de liberdade nas relações trabalhistas se integra às cadeias produtivas, além de discutir quais lições podem ser tiradas da experiência brasileira de combate à escravidão a partir de instrumentos econômicos. O impacto da escravidão nas mudanças climáticas é título do capítulo assinado pelo professor Kevin Bales, responsável pela cadeira de Escravidão Contemporânea na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, coautor do Índice de Escravidão Global, fundador da ONG Free the Slaves e considerado um dos maiores especialistas mundiais no tema.

Assinando o posfácio de Escravidão contemporânea, Raissa Roussenq Alves, mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e ex-representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, escreve sobre o racismo e o regionalismo presentes no trabalho escravo contemporâneo no texto A herança do racismo.

 

LANÇAMENTO
Livro: Escravidão contemporânea (Contexto), com organização do jornalista Leonardo Sakamoto e textos de diversos autores
Loja: Fradique
Quando: dia 28 de janeiro, às 18h30