Basquiat em São Paulo

De idiomas múltiplos

Com “pinturas explosivas”, Basquiat cria um vocabulário sofisticado e único, como revela retrospectiva em São Paulo

*Matéria publicada na revista Vila Cultural 166 (fevereiro/2018).

Basquiat, Sem título, 1983

Fotos Divulgação

Em cartaz até abril, a recém-aberta retrospectiva de Jean-Michel Basquiat no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, já coloca a obra e a vida do artista nova-iorquino como um dos destaques do circuito cultural brasileiro este ano. Entre quadros, desenhos, gravuras e pratos pintados, a exposição apresenta 80 peças de Basquiat e segue, depois de São Paulo, para Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde poderá ser vista entre outubro deste ano e janeiro de 2019. Segundo o CCBB, a vinda da exposição ao país levou cerca de dois anos de negociações.
A retrospectiva foi concebida com obras da família Mugrabi, dona das maiores coleções de Basquiat, e também de Andy Warhol (leia sobre o artista aqui). A mostra confirma porque exposições realizadas recentemente em Nova York, Milão, Roma e Londres têm valorizado ainda mais a produção e obras do artista. No ano passado, uma tela de Basquiat, Sem título (1982), foi vendida por mais de US$ 110 milhões de dólares num leilão, fazendo do trabalho a mais cara obra de arte norte-americana já vendida. Em 2018, além das quatro cidades brasileiras, Frankfurt e Paris receberão mostras representativas de Basquiat.
De acordo com o curador da mostra, Pieter Tjabbes, um dos elementos essenciais na obra de Basquiat é sua composição multi-idiomas. “A justaposição de inglês e espanhol é um dos muitos dinâmicos contrastes culturais dentro da obra que cria a sua energia singular. Ele conseguiu incorporar todos os diversos elementos de sua formação cultural e do seu sofisticado autoaprendizado para dentro de pinturas explosivas”, descreve.
Basquiat é também um raro artista negro de sucesso no contexto das artes plásticas – um universo predominantemente branco. Em sua breve carreira, ele trouxe à tona a negritude e as vicissitudes e traumas experimentados pelos negros nos EUA. “Eu percebi que não via muitas pinturas com pessoas negras”, explicou o próprio Basquiat, fazendo um adendo depois: “O negro é o protagonista da maioria das minhas pinturas”.
Basquiat nasceu em 1960 e morreu jovem, aos 27 anos, de overdose. Seu pai era haitiano e, sua mãe, descendente de imigrantes porto-riquenhos. Desde muito cedo foi reconhecido como um garoto excepcionalmente inteligente. Influenciado pela família – com a qual viria a ter problemas no fim da adolescência, deixando a casa e vivendo até alguns dias nas ruas –, rapidamente aprendeu, além do inglês, francês e espanhol, e foi incentivado a desenvolver o talento para
as artes.
Leitor compulsivo, ainda criança foi atropelado quando brincava nas ruas do Brooklyn. No acidente, um de seus braços foi quebrado, e seu baço teve de ser retirado. Durante o longo período de recuperação, sua mãe deu-lhe um exemplar do livro Gray’s anatomy, um atlas de anatomia humana do século 19 que influenciaria seus trabalhos artísticos mais de uma década depois.
“Basquiat é um dos maiores artistas de ascendência afro-caribenha e é exaltado em todo o mundo. Ele é, fundamentalmente, um artista de Nova York. Sua obra personifica o caráter da cidade nos anos 1970 e 1980, quando a mistura de empolgação e decadência da cidade criou um paraíso de criatividade. Sua obra reflete os ritmos, os sons e a vida da cidade. Ela sintetiza o discurso artístico, musical, literário e político de Nova York durante este período tão fértil”, afirma o curador Tjabbes.
Quando morreu, em 1988, Basquiat era uma estrela do cenário artístico de Nova York. Sua produção, marcada pelo uso, muitas vezes, de materiais simples, como papel comum, colagens, cópias reprográficas e a combinação de imagens humanas (com frequência inspiradas no livro de anatomia que sua mãe lhe deu) e palavras, atraía a atenção de críticos, curadores e, não menos importante, de compradores. Visitar o ateliê do artista era um evento explorado por seus galeristas, que conseguiam com isso alavancar o interesse pela novidade e pelos novos trabalhos de Basquiat.