Lições de Mozart

Nascido há 264 anos, o compositor austríaco criou uma obra extraordinária durante sua vida breve e atordoada

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 189 (Janeiro/2020)

Ilustração Jonas Ribeiro Alves

 

No livro A história secreta da criatividade (Sextante, 2016), o pesquisador britânico Kevin Ashton, professor do Massachusetts Institute of Technology, o famoso MIT, diz que o conceito de genialidade é ridículo e que o que acontece é que há apenas pessoas mais habilidosas que outras em algumas atividades humanas. Entre os argumentos que usa está a ideia do “gênio” como um conceito inventado na Renascença, quando se começou a creditar inventores, “sempre homens brancos e europeus, pessoas como Mozart, Newton e Leonardo da Vinci”. Pelo sim, pelo não, trata-se de uma tese que fica ainda mais controversa ao ouvir a música ou ao ler sobre a vida e a obra do austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, nascido em 27 de janeiro de 1756, há 264 anos.

Não importa se instintivamente, sensorialmente ou racionalmente, pensar em genialidade e sensibilidade é algo quase involuntário quando o personagem é Mozart. Ele começou a tocar ainda muito criança, viveu apenas 35 anos e compôs algumas obras-primas que o transformaram em dos mais admirados compositores de sinfonias, concertos e óperas.

Mozart foi fenomenal desde a primeira infância. Diz-se que aos três anos já tirava melodias no cravo e armava um berreiro se alguém por perto tocasse de forma discordante ou alto demais. Aos cinco, fazia minuetos. Seus pais, Anna Maria Walburga Pertl e Leopold Mozart, que era compositor, cantor, ator e violinista, chegavam a ficar assustados e temorosos ao testemunhar a precocidade do filho artista, já que Mozart aprendia rapidamente o que outras crianças demoravam muito tempo para entender.

O lado perverso da história familiar foi que o pai tirou proveito do poder criativo de seu pequeno filho, que tinha outros seis irmãos, para ganhar dinheiro. De cidade em cidade, carregava o prodígio para audiências aristocráticas para exibir o “fenômeno”, o que fez com que Mozart, de família simples, passasse a maior parte de sua infância e adolescência viajando e só frequentando lugares muito ricos.

“Como muitas pessoas na posição de outsider, Mozart sofria com as humilhações impostas pelos nobres da corte e se irritava com elas. Mas, ao lado de tais reações hostis à classe mais alta, estavam presentes fortes sentimentos positivos: era precisamente seu reconhecimento que ele desejava, era precisamente por eles que queria ser visto e tratado como homem de igual valor, por suas realizações musicais”, escreve o sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990), um apaixonado pela música do austríaco, em MozartSociologia de um gênio, que a Zahar publicou em português.

Aos 12 anos Mozart já era um compositor respeitável e impressionava pelo jeito que compunha. Como viajava o tempo todo, criava a música primeiro mentalmente e, no primeiro momento diante de uma partitura em branco, escrevia sem interrupções, direto. Assim, ao longo da vida, fez mais de quarenta sinfonias, dezenas de concertos para piano, para violino, para trompas, para flauta, além de serenatas, marchas e peças para dança, entre outras composições.

Na vida adulta, protagonizou uma sucessão de triunfos artísticos e de decepções pessoais. Depois que o pai morreu, quando Mozart tinha 30 anos, sua vida financeira permaneceu um caos. Casado com Constanze, que também lidava mal com dinheiro, se endividou e viveu em extrema pobreza.

As criações operísticas Don Giovanni e A flauta mágica eram as suas obras favoritas, assim como as de muitos de seus admiradores. Em Mozart: O Homem e o artista por suas próprias palavras, o escritor Friedrich Kerst (1870-1961) junta correspondências e diálogos atribuídos a Mozart, que teria dito o seguinte a um menino musicalmente talentoso que perguntou ao músico como alguém aprende a compor: “Se você tem talento, ele faz força para se afirmar e o atormenta; ele sairá; e então você o põe pra fora sem questionamento. E, veja bem, não há nada nesta coisa de aprender nos livros. Aqui, aqui e aqui (apontando para o seu ouvido, sua cabeça e seu coração) é a sua escola. Se estiver tudo certo aí, então tome a sua pena e comece logo com isso; em seguida, peça a opinião de alguém que entenda do assunto.”