Mulheres plurais

No ativismo, na música, no cinema e na literatura, toda a evidência que merece ser comemorada

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 191 (Março/2020)

 

Ilustrações Jonas Ribeiro Alves./ Fotos divulgação

A julgar pelos primeiros meses do ano, 2020 já tem o mérito de manter em evidência ações e realizações de mulheres que, independentemente de conceitos ou “rótulos”, seguem sintonizadas com a vivência de muitos “feminismos plurais”, só para citar o nome tão inspirador da coleção coordenada pela escritora e filósofa Djamila Ribeiro para a Pólen Livros. A exemplo do que tem acontecido em tempos recentes, o respeito às diferenças e a igualdade de direitos se transformaram, afinal, em uma pauta urgente para a humanidade, homens ou mulheres. Por isso, o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ganha sentido ainda mais potente agora. E é um excelente pretexto para saudar, nesta edição de Vila Cultural, figuras-chaves de momentos emblemáticos da atualidade, artistas e escritoras que estão em plena produção, heroínas da ficção na indústria do entretenimento, personagens marcantes da literatura e autoras cuja leitura marca para sempre. Saudar, enfim, todas as mulheres.

Com seu semblante desafiador e severo, a jovem ativista sueca Greta Thunberg, por exemplo, passou de adolescente anônima à figura simbólica central para a questão ambiental. Ela já nasceu em um mundo economicamente globalizado e conectado pelos computadores, tem 10 milhões de seguidores no Instagram e é a própria representação de uma geração que parece disposta a “simplificar” naturalmente, na prática, como sinal dos tempos e das conquistas anteriores, as questões mais complexas relacionadas à discussão sobre gêneros.

 

Entre outras reivindicações, Greta apresentou formalmente à Organização das Nações Unidas, mais especificamente ao Comitê dos Direitos da Criança, uma denúncia para criação de medidas que protejam as crianças dos efeitos da crise climática. Ela fez isso junto a outros 15 jovens ativistas, meninos e meninas. Não é pouca coisa e, mundialmente, seu nome já tem o alcance similar, por exemplo, ao de Malala, a garota paquistanesa que ficou conhecida ao ser baleada na cabeça quando saía da escola em 2012 por se manifestar contra a proibição dos estudos para as mulheres em seu país. Malala contou sua história em livro, virou best-seller global e a sua imagem se mantém como referência e liderança em favor da igualdade.

 

Nas artes, outras mulheres, de novas gerações, não param de surpreender. Aos 18 anos, nascida em pleno século 21, a jovem cantora norte-americana Billie Eilish acaba de entrar precocemente para a história do showbiz como a grande vencedora, em janeiro, do Grammy 2020, o mais prestigiado prêmio da indústria fonográfica. Ganhou nas quatro categorias principais: artista revelação, melhor álbum, com o disco When we all fall asleep, where do we go?, melhor música e melhor gravação (Bad guy), e também como melhor álbum de pop vocal. Um autêntico fenômeno pop.

 

Nos próximos meses, em outro movimento fenomenal da indústria do cinema, alguns dos filmes mais esperados do ano prometem dar o que falar. Entre eles, Mulher-Maravilha – 1984, segundo filme da provável trilogia dirigida, claro, por uma mulher, Patty Jenkins, e estrelado pela atriz Gal Gadot, que ganhou a audiência com sua performance no primeiro filme. A estreia está prometida para junho.

 

Scarlett Johansson em Viúva Negra./Fotos Divulgação

Antes disso, no dia 30 de abril, outro filme poderosamente feminino e milionário, Viúva Negra, dirigido por Cate Shortland, com Scarlett Johansson no papel-título, chega às telas. Aqui, cabe lembrar que em um passado bem recente, entre tantos super-heróis, seriam pouco prováveis essas megaproduções de ação, aventura ou espionagem dominadas prioritariamente por mulheres. Que venham outras.

 

Na literatura, março também tem lançamentos que valem todas as atenções. A fonte da autoestima, da Companhia das Letras, é uma coletânea de textos da escritora Toni Morrison, famosa pela habilidade como observadora do mundo ao escrever sobre sociedade, cultura e arte. Prêmio Nobel de Literatura em 1993, ela analisa, em escritos de não ficção, as linhas tênues que separam o estrangeiro, a mulher, o corpo negro e outros conceitos igualmente importantes para a sociedade contemporânea. Além disso, Morrison volta seu olhar crítico para o próprio trabalho – principalmente para o livro Amada – e o de outros importantes escritores negros. É uma edição, conforme divulga a editora, que convida a entender melhor o pensamento de uma das mulheres mais importantes do século 20.

 

O que ela sussurra, o novo romance de Noemi Jaffe, que está entre as autoras mais originais da literatura brasileira, é outro lançamento (da Companhia das Letras) que sai este mês. Conta a vida de Nadezhda, uma jovem russa que guarda na memória os poemas do marido morto pela censura soviética para evitar que os versos fossem apagados para sempre da história.

 

Lançado originalmente em 1982, A obscena senhora D, uma das obras mais cultuadas e transgressoras de Hilda Hilst (1930-2004), também ganha nova edição agora em março. Aos sessenta anos, após a morte do marido, Hillé – a senhora D – percebe que está absolutamente sozinha. Em seu luto, a protagonista decide viver no vão da escada de casa e experimentar o mais profundo isolamento. Num fluxo de consciência que impressiona, ela se vê às voltas com lembranças do passado ao mesmo tempo em que se pergunta sobre o verdadeiro sentido da vida. É uma novela sobre o luto com doses de dramaturgia, filosofia e poesia. Leia sobre outras personagens e livros marcantes nas próximas páginas.