Ler e escrever

“Nunca pensei em deixar de ‘blogar’ porque amo a escrita”, diz Raffa Fustagno, de A menina que comprava livros

Raffa Fustagno. Foto Divulgação

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 184 (Agosto/2019)

A menina que comprava livros é o nome do projeto literário ao qual Raffa Fustagno já se dedica há uma quase uma década. Nesse período, muita coisa mudou, como ela diz. Com dois livros publicados, Raffa, que vive no Rio, publica outros três títulos ainda esse ano e diz, com seu trabalho na internet, que acha “maravilhosa essa troca com quem escreve ou quer escrever”. Leia a entrevista com a influenciadora.

Vila Cultural. O que mudou no mercado editorial, na cultura pop e no seu trabalho com livros na última década, ou seja, desde que criou o seu blog?
Rafaella Fustagno. Mudou muito, hoje os blogueiros em sua maioria não têm blog. Sou uma das poucas que o mantive. Porque dá trabalho manter várias redes, então o pessoal focou no YouTube que, no início, dava mais retorno financeiro, e já temos muitos que somente usam o Instagram. Nunca pensei em deixar de “blogar” porque amo a escrita, e nem sempre estou na vibe de gravar vídeos, porque além de precisar de muito roteiro para o que vamos falar é trabalhoso editar um vídeo. Por essa razão, não me vejo deixando nada de lado. Por mais que o público mude seus gostos, tendo os três (Instagram, blog e canal) eu alcanço mais gente. Nesses nove anos o mercado mudou muito. Quando comecei eram poucos autores nacionais, depois teve o boom de livro de vampiros, de anjos, de youtubers, de hot. Toda hora tem uma moda, que para mim, que sou eclética, não muda nada. Eu leio tudo, de autoajuda a biografias. Quem me acompanha sabe que verá livros de Segunda Guerra (tema que amo), mas que também verá livros de Stephen King, Jojo Moyes, Luis Fernando Verissimo… Eu nunca digo que não gosto de algo sem antes ter lido, porque para criticar tem que ter conhecimento de causa. Não posso deixar de citar que passei a ver o mercado editorial de outra forma desde que virei autora em 2016. A gente sente na pele o que os autores contavam nos eventos, nas entrevistas.

VC. Qual é o uso mais eficiente da internet para a formação de novos leitores?
RF. O adolescente ama Instagram e Youtube. Para falar para esse público tem que estar sempre postando novidades. Eles são consumidores afoitos e cobram quando ficamos um dia sem postar algo. Eles amam ter resposta, seja nos comentários que deixam, seja nas sugestões que nos dão. Não adianta só ouvir e dizer que vai fazer. Tem que fazer. A maioria do público de 13 a 17 anos que me segue nas redes cobra por direct se digo, por exemplo, que lerei um livro e demoro para ler. Filmes então… tem muito comentário pedindo todos os lançamentos da Netflix. Não dou conta, até porque não trabalho somente com isso.

VC. Como define sua experiência como autora e que avaliação faz da trajetória dos livros que publicou?
RF. As pessoas estranham quando digo que nunca pensei em ser autora. Eu sempre amei ler, resenhar, falar de livros e entrevistar autores. Em 2016 recebi o convite da Michelle Strzoda para fazer um livro interativo com crônicas sobre o blog, me vi escrevendo e em três meses ele ficou pronto. O livro da menina foi publicado pela Babilonia Cultura Editorial no final daquele ano e vendeu quase mil exemplares até um ano depois, quando a editora fechou as portas. A primeira coisa que aprendi é que não importa quantos seguidores você tem. Essa quantidade não é convertida em venda, nem em 50%. Então suei para vender essa quantidade. Trabalho em Recursos Humanos, e me vi convencendo meus chefes para me liberar para que eu pudesse fazer eventos em escolas, saindo mais cedo para fazer tardes de autógrafos em dias de semana em outras cidades, voltei a ser a vendedora que era na época da faculdade, quando dividia o tempo de estudo com essa profissão. No ano seguinte fui convidada para escrever um conto no livro Blogueiras.com, que foi publicado de forma independente e pela Amazon, em eBook, com mais sete blogueiras na antologia organizada pela Thati Machado. O livro vendeu muito, eu mandava imprimir e ele vendia, os adolescentes amaram, as resenhas em sua maioria foram muito positivas e ali eu passei a querer escrever mais, mas sempre precisei de um empurrãozinho. E ele veio pela minha agência, a Increasy. Recebi um convite deles na Bienal do Livro de 2017 para fazer parte do time e posso dizer que mudei muito meu pensamento sobre escrita, aprendo sempre com elas. Não tenho o menor problema em ser corrigida, prefiro do que achar que sei tudo e que não preciso que ninguém me ensine mais nada. Andando junto com a agência produzi bastante do ano passado para cá. Então, este ano publico três livros. Esse Turu Turu (Editora Fora da Caixa), que se passa na década de 1990, que está disponível em eBook, já em pré-venda; a primeira antologia que organizei chamada 24 horas com meu ídolo (Editora Fora da Caixa), também na pré-venda, com lançamento previsto para este mês, e Meu crush de Nova York (The Gift Box Editora), que será lançado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro dia 31 de agosto. No meu canal tem uma playlist falando sobre todos os processos de escrita. Muita gente tem dúvida sobre o mercado, sempre esclareço que nunca paguei publicação porque já tinha público formado, mas é uma prática comum. Participo de palestras de escrita também. Acho maravilhosa essa troca com quem escreve ou quer escrever.

VC. Como se autodefiniria como uma “influenciadora digital”?
RF. Sou influenciadora a partir do momento que quem me acompanha compra um livro ou assiste um filme por indicação minha. E isso acontece muitas vezes. Eu gosto de usar os termos booktuber e blogueira literária porque não fica algo genérico e já diz muito sobre o que abordo em minhas redes. Sei da responsabilidade que tenho quando abordo temas delicados que podem servir como gatilho, por exemplo, então tento fazer do meu trabalho nas redes o mais correto possível, não utilizando termos que não sejam apropriados e/ou avisando sobre temas delicados em obras que resenho.

VC. Que cuidados são necessários na relação com as editoras?
RF. Respeito acima de tudo. Eu lido com as editoras parceiras sempre tentando somar com o que elas precisam para divulgação de suas obras e eventos, e o que recebo é respeito pelo meu trabalho, seja em uma ação em que sou escolhida no meio de tantos, seja quando me convidam para mediar o bate-papo com um autor. Eles sabem que levo a sério quando me comprometo. Nunca me atraso, resenho nos prazos, estudo sobre o autor ou tema do evento. Mesma coisa com os autores. Não importa se já foram publicados ou não, eles são convidados a serem entrevistados no evento que apresento da mesma forma. Infelizmente, já tive autores que faltaram e nem lembraram de avisar. Em um caso em específico, uma autora com um público relativamente grande confirmou presença no evento. Na plateia, vários rostinhos novos segurando o livro dela para autografar e a pessoa não apareceu e nem mandou uma mensagem informando o motivo. Fui saber por outro autor o que tinha acontecido. Essas coisas me chateiam, mas não me fazem desistir.

VC. O que você está lendo atualmente?
RF. Estou bem no início do livro Feitos de sol (Faro Editorial), do escritor Vinícius Grossos. Gosto muito da escrita dele e vi como ele aprimorou o texto. Quando o conheci, ele ainda publicava de forma independente. Com o tempo ele passou a escrever lindas histórias LGBT que ganharam o público. Sempre recomendo os livros dele, porque são histórias necessárias para todos nós aprendermos que amor é amor, sempre.