Com sua poesia intensa, Renato Russo deixou uma obra que se propaga para além dos sons da Legião Urbana
Ilustração Jonas Ribeiro
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 167 (março/2018).
Se estivesse entre nós, o cantor, compositor e poeta Renato Russo, um ícone de sua geração, completaria 58 anos no próximo dia 27 de março. Morto precocemente aos 36 anos, vítima da Aids, em outubro de 1996, ele deixou uma obra tão contundente e poderosa que, assim como aconteceu em vida, continua reverberando na voz de jovens de todas as idades que reconhecem imediatamente, nas letras de Russo, alguma história pessoal ou experiência emocional-sensorial-ideológica, coisas que ele documentava como poucos.
Eclética, romântica, assertiva, visceral, às vezes sofrida ou marcada pelo protesto e pela rebeldia, a poesia de Renato Russo tem inspirado várias realizações e publicações. Até o mês passado, por exemplo, ele foi o cartaz de uma grande exposição no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, e voltou a mobilizar um público interessado tanto em sua obra como em sua personalidade intensa, já documentada sob diferentes perspectivas em vários livros.
Filho do funcionário público Renato Manfredini e da professora de inglês Maria do Carmo, Renato “Russo” Manfredini Júnior nasceu no Rio, viveu dos sete aos dez anos em Nova York por conta de uma transferência profissional de seu pai, que trabalhava no Banco do Brasil, e na adolescência voltou, com a família, a morar em Brasília, que virou marca-lugar registrado em seu trabalho. Teve uma doença óssea rara aos 15 anos e ficou por um período entre a cama a cadeira de rodas. Nessa época, superinteligente, já inventava bandas de rock e compunha compulsivamente em casa.
Depois de atuar na banda Aborto Elétrico e se identificar com o movimento punk da época, no começo dos anos de 1980, encarou a “carreira solo”, ainda incipiente, e fez fama como “O Trovador Solitário”. Quando encontrou Marcelo Bonfá, nasceu o lendário Legião Urbana, que contava ainda com os músicos Eduardo Paraná e Paulo Guimarães, posteriormente substituídos por Dado Villa-Lobos. A nova banda foi apadrinhada por Herbert Viana, do Paralamas do Sucesso, já em momento ascendente. O Legião foi rapidamente contratado pela gravadora EMI-Odeon e o primeiro disco saiu em 1984. Desde então, os sons de Russo e do Legião, que vendeu mais de 20 milhões de discos, não pararam de fazer sucesso e ganhar ouvintes e admiradores de diferentes gerações com a combinação do melhor lirismo da música brasileira e uma pegada inconfundível do rock.
No ano passado, a Companhia das Letras publicou O livro das listas, com as “referências musicais, culturais e sentimentais” de Renato Russo. Feito a partir das anotações do cantor e compositor, o livro traz um panorama das grandes influências do líder do Legião Urbana, que aparecem sempre acompanhadas de informações sobre os artistas e as obras mencionadas. Reveladoras dos temas de interesse que podem ter influenciado as composições de Renato, as listas não apenas serviam para classificar o que ele já conhecia e indicar o que ele ainda pretendia ler, ouvir, assistir e viver, como também são uma forma de conhecer o processo criativo de um dos grandes nomes da cultura popular brasileira.
Só por hoje e para sempre, também da Companhia das Letras, lançado em 2015, é outro livro que é objeto do desejo entre os admiradores da obra de Russo. Traz o relato da experiência que ele viveu entre abril e maio de 1993, quando passou 29 dias internado numa clínica de reabilitação para dependentes químicos no Rio de Janeiro. Durante esse período, o músico seguiu com dedicação os Doze Passos, programa criado pelos fundadores dos Alcoólicos Anônimos, que incluía um diário e outros exercícios de escrita. O material veio a público graças ao desejo de Renato Russo de ter sua obra publicada postumamente. Comovente e intrigante, o livro junta memórias avulsas do líder da Legião Urbana com passagens de autoanálise e um olhar esperançoso para o futuro, que, pelo encantamento da leitura, possibilita um contato íntimo com o artista e é uma referência e tanto de superação.