Para a canoa não virar

por Samuel Seibel

*Editorial publicado na revista Vila Cultural 166 (fevereiro/2018).

Nestas férias de janeiro alugamos uma casa na praia e para lá fomos: mulher, filhos, noras e netos. Sol, visual lindo, água cristalina, cardumes, tartarugas perto das pedras, lindo pôr do sol.
Alheio às notícias e com vizinhos dispostos a dar trégua aos problemas.
Ótimas leituras (terminei Caviar é uma Ova, do Duvivier, e F, de Daniel Kehlmann, e comecei o novo Murakami), relaxei, brinquei com netinhos, corri na areia, nadei, descansei a cabeça.
Neste local, os caiçaras mantêm uma tradição de longa data e que iria acontecer justamente na véspera de nossa partida: corrida de canoa. Não é corrida de caiaque, de barquinho, de pedalinho ou algo que o valha. É corrida de canoa, uma tora na água, pesadíssima, superinstável.
– Olha, se cair, tem que subir rápido, com o parceiro fazendo o contrapeso. Se virar, aí é mais complicado, mas precisa desvirar, tirar a água de dentro, subir e seguir adiante. Não vai perder os remos!
Estes foram os conselhos dos barqueiros locais e antigos pescadores.
Uma tradição para lá de centenária. Aquela seria a prova de número 170.
– Não podemos perder uma oportunidade dessas, não é mesmo?, perguntei para o Rafa.
Treino frustrante na sexta à noite com o mar bem mexido, treino promissor no sábado de manhã. Largada às 16h, exatamente no mesmo horário em que desaba uma tempestade que quase nos impedia de enxergar a segunda boia, por onde deveríamos contornar e voltar ao final da corrida. Os caiçaras remam de pé, parecem atletas olímpicos. Bonito de ver!
Eu e o Rafa? Ajoelhado, eu; sentado no piso da canoa, ele. Mas deu certo!
Chegamos em último, felizes da vida, dando gritos e erguendo os remos como se tivéssemos vencido.
Vencemos, na verdade!
De volta à cidade, à rotina e às notícias… Dificuldades existem, jamais deixarão de existir. Cabe a nós o desafio de manter o equilíbrio, a serenidade, buscar uma boa comunicação com os outros e perseverar para não deixar a canoa virar. Assim chegaremos lá!

Boa leitura.
Abraços.
Samuel.