Poeta das imagens

*Retrato publicado na revista Vila Cultural 180 (Abril/2019)

Ilustração Jonas Ribeiro Alves

Nem é preciso ser fanático por cinema para se divertir e se emocionar com Tempos modernos, o filme com o qual Charles Chaplin encantou o mundo na década de 1930. Como as grandes obras, o título sobrevive bravamente à passagem do tempo. Esqueça, portanto, que estamos em 2019 se alguém lhe disser que se trata de uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade, tal qual o criador apresentou o trabalho ao público da época.

Na trama, o homem começa a ser substituído por máquinas, a mão de obra especializada é uma demanda essencial e, nesse contexto, vários trabalhadores ficam desempregados, acentuando as desigualdades entre os pobres e as pessoas que integram classes mais afortunadas, sem esconder diferenças nas perspectivas de vida de cada grupo. Há a cena ilustre em que Chaplin e a menina órfã conversam no jardim de uma casa, sonhando com o dia em que teriam a mesma condição dos donos da residência.

Ainda que o mundo tenha mudado radicalmente desde a realização do filme, há semelhanças que parecem intransponíveis como sintomas de época. Ao refletir sobre o cinema e o sucesso, por exemplo, Chaplin também perpetuou ensinamentos. “As pessoas querem a verdade. No coração humano, por alguma razão ou outra, existe amor à verdade. E você deve dar a verdade em comédia. Por isso, uma atuação espontânea atinge a verdade nove a cada dez vezes. E o trabalho mecânico, estudado demais, perde essa ‘verdade’ com a mesma frequência”, disse Chaplin, um excelente entrevistado, conforme demonstrou nos seus contatos com a imprensa. Ao The New York Times declarou, em agosto de 1925, que queria “que as audiências chorassem e rissem” com seus filmes. “Na minha opinião, o motivo subjacente de uma história deve ser brilhante, não deprimente”.

Abril de 2019 marca os 130 anos de nascimento de Charles Chaplin ou Carlitos, como ficou carinhosamente conhecido por causa do personagem vagabundo que eternizou. Ele nasceu na Inglaterra em 1889 e demonstrava habilidade artística precocemente, nas participações que fazia no teatro, ainda criança. Filho de artistas, seu pai era alcóolatra e sua mãe estava sempre doente, mas a desestrutura familiar não foi um impedimento para que ele mantivesse a vocação artística.

Como mímico, viu sua vida mudar depois de uma apresentação no Music Hall, em Londres. Era o início de sua trajetória de sucesso, que o levou a viajar o mundo por causa de suas performances. Em uma turnê pelos Estados Unidos, conheceu o diretor Mack Sennett, da Keystone Film Company, que o contratou para um filme. A repercussão do trabalho foi limitada, Chaplin chegou a trabalhar com outros diretores e entendeu, na prática, que ele próprio deveria assumir a direção de seus filmes.
Assim, entre 1914 e 1916 realizou mais de 40 curtas, entre eles O Vagabundo, em que incorporava seu personagem mais ilustre.

Charles Chaplin também virou a melhor imagem, a tradução exata do cinema mudo. No auge de sucesso, em 1918, abriu sua própria empresa de cinema. Perfeccionista e obsessivo na criação de cada cena, foi um artista contestador que se deu a missão também de atuar como crítico ferrenho da sociedade, já que não se cansava de denunciar a miséria e o desemprego. Com O circo, em 1929, ganhou seu primeiro Oscar.

Resistente, num primeiro momento, ao “cinema falado”, Chaplin entendeu que precisava se adaptar aos novos tempos, inclusive para se opor ao autoritarismo e às guerras, produzindo filmes que se tornaram clássicos como O Grande Ditador, em que faz uma crítica contundente ao nazismo, ou Tempos modernos e Luzes da ribalta, outras duas obras memoráveis. Na década de 1930, os filmes de Chaplin chegaram a ser proibidos na Alemanha nazista, por, na visão dos censores, serem subversivos demais, contrários aos bons costumes locais. Com críticas à potência do capitalismo, os filmes combatiam também a repressão, a ditadura e os sistemas autoritários. Em 1965, Charles Chaplin publicou sua autobiografia, Minha vida. Em 1972, ganhou o Oscar de melhor trilha sonora por Luzes da Ribalta. Chaplin morreu aos 88 anos, em 1977.