Roteirista, diretor, ator e dramaturgo, Pedro Neschling falou sobre seu segundo livro à Vila Cultural
Na entrevista a seguir, o escritor Pedro Neschling, 35 anos, falou sobre o seu segundo romance e a realização que sente como escritor.
Vila Cultural. Quanto tempo trabalhou em Supernormal e qual a sua principal motivação para se dedicar ao livro?
Pedro Neschling. O processo de escrita do livro demorou mais de dois anos, desde que comecei. Teve a gravidez e nascimento da minha filha no meio, o que mudou toda a minha forma de trabalhar – de existir, na verdade. Esse argumento me perseguia há quase dez anos, e já mudou de formato muitas vezes. As maneiras de se relacionar têm mudado tão rápido que muitos conflitos que eu criava para as personagens logo me pareciam datados. Então eu voltava ao zero. Quando surgiu a ideia de que um desses amigos de adolescência era uma mulher trans, percebi a chance de criar uma história sobre amizade e conflitos sentimentais, mas sobretudo sobre as mudanças na sociedade que vivemos hoje e que muitas vezes não sabemos racionalmente como lidar. Era exatamente o que eu queria falar.
VC. Do ponto de vista criativo, o que mudou na sua percepção como autor desde Gigantes?
PN. Me percebi mais atento a detalhes nesse livro. Não só pelo natural amadurecimento que o tempo e as novas experiências trazem, mas também porque Gigantes foi escrito quase em um jorro. Quarenta e cinco dias e ponto final. Tinha uma estrutura narrativa aberta, múltiplos protagonistas, o que me possibilitava fazer isso. Já o Supernormal tem uma narrativa clássica, um único protagonista – exigiu uma carpintaria mais rebuscada.
VC. Como observa ou percebe a relação da sua geração com a sexualidade?
PN. Minha geração atravessou desde a infância inúmeras transformações comportamentais e tecnológicas. Vivemos em um eterno recomeço, em uma eterna tentativa de nos adaptarmos. Pelo menos os que não se acomodam no triste lugar do “esse mundo tá muito moderno” em todos os sentidos. É preciso coragem para aceitar que muito do que fomos ensinados a acreditar ser “normal” não passa de preconceito, e lidar com isso com sinceridade.
VC. Como a sexualidade e a questão do gênero podem ser observadas como recurso para o autoconhecimento?
PN. O Beto é um cara que não tinha como ser mais “padrão”, da forma com que os padrões são – ou eram? – esperados. E descobrir que uma pessoa trans estava ali tão próxima dele e ele nunca percebeu, faz com que sua cabeça entre em pinote. Helena é o contrário da imagem preconceituosa que ele carregava. E, através dela e desse reencontro, o Beto começa a enxergar todo aprisionamento que o “normal” carrega – e que ele vivia sem perceber. Isso o leva a repensar toda a sua existência enquanto encontra novas normalidades que ele sequer imaginava serem possíveis.
VC. Qual é o lugar do autor, do escritor, na sua vivência profissional?
PN. Um espaço de extrema realização pessoal. Me considero sinceramente privilegiado por poder transitar em tantas áreas diferentes, encontrar meu espaço em cada uma delas e seguir produzindo com o passar dos anos. Mas ser escritor, para mim, é especialmente prazeroso. Lançar um romance foi das maiores alegrias que já senti. Esse é o segundo e estou vivendo com o mesmo entusiasmo. Que siga assim.