Sobre bem-estar, dinheiro ou espiritualidade, livros trazem referências para estimular desenvolvimento pessoal.
*Matéria publicada na revista Vila Cultural 178 (Fevereiro/2019)
O que o escritor e conferencista alemão Eckhart Tolle, o administrador americano e palestrante Mark Manson e a jornalista brasileira Nathalia Arcuri têm em comum? Os três ostentam, no melhor sentido, títulos best-sellers da atual temporada livreira. Cada um do seu jeito, são autores que não deixam espaço para crises e cativam a audiência ao compartilhar conhecimento, experiências pessoais, opiniões, problemas (e suas respectivas soluções, obviamente) que, em última análise, acabam sendo acolhedores para leitores que se inspiram no que eles têm a dizer. E, na maioria das vezes, se sentem estimulados a tentar os caminhos indicados em livros de muito sucesso. Não importa se o assunto é espiritualidade, autoconhecimento ou dinheiro. E muito menos se o livro é de autoajuda, autogestão, comportamento ou negócios. O que vale, no fundo, no fundo, é a sedução que se dá na experiência mais intensa e solitária da leitura quando a procura é por uma vida mais feliz e equilibrada. Ou por desenvolvimento pessoal, para usar a linguagem dos editores.
Há tempos nas listas de mais vendidos ao redor do mundo, O poder do agora (Sextante), de Eckart Tolle, pseudônimo de Ulrich Leonard Tolle, trata meticulosamente da iluminação espiritual não como um ideal inatingível de transcendência, mas convidando o leitor a refletir sobre a conexão possível com o “momento presente”, o agora do título. Na percepção de Tolle, com seus causos “místicos”, trata-se de uma conquista que tem a ver com uma maneira prática de lidarmos melhor com a ansiedade, os sofrimentos por antecipação, os apegos ao passado e o excesso de preocupações desnecessárias. Tudo, enfim, que é, na experiência humana, tão ancestral quanto contemporâneo e urgente em tempos de sociedade em rede.
No caso de Manson, autor de A sutil arte de ligar o f*da-se (Intrínseca), outro grande sucesso no qual ele começou a trabalhar em 2014, a ideia, segundo diz, era justamente fazer ecoar, no circuito da autoajuda, uma voz que não estivesse baseada só em mensagens otimistas, da positividade como único caminho possível para uma vida de mais contentamento. Ao buscar o realismo em suas próprias experiências e nas de figuras proeminentes, Manson, que viveu no Rio e ficou conhecido por aqui ao escrever Uma carta aberta ao Brasil em 2016, encontrou, no livro, o tom que encantou os leitores que fizeram do título um best-seller também nos Estados Unidos. “O objetivo é ajudar o leitor a fazer melhores perguntas sobre sua própria vida e seus valores. Com o que eles se importam? Por que eles se preocupam com isso? Eles deveriam se preocupar com isso realmente? Essas são perguntas difíceis de fazer e ainda mais difíceis de responder. O livro é uma ferramenta para ajudar a encarar essas questões honestamente”, disse Manson numa entrevista à revista Exame.
Honestidade, transparência e coloquialidade são palavras-chaves para definir o alcance e a potência do trabalho da jornalista Nathalia Arcuri, autora de Me poupe! (Sextante), em que ela documenta, com um jeito de escrever irresistível, o mesmo estilo que garantiu o enorme sucesso que faz na internet ao tratar de educação financeira e dinheiro com viés do entretenimento. No canal homônimo ao livro, Nathalia tem mais de 3 milhões de inscritos, o que faz dela uma empreendedora das mais respeitadas, inclusive pela maneira singular com que produz o conteúdo.
Nathalia também é um ótimo exemplo de como, digamos, o “prestígio digital” se transformou num argumento sólido para uma autora em potencial. Esse cruzamento com o mercado editorial, que é a cara do século 21, parece equilibrar, na medida exata, o excesso e a fugacidade das informações nos meios audiovisuais com o caráter perene do que será publicado e consumido como leitura. Ainda que seu livro esteja associado à área de negócios, é como se Nathalia (leia entrevista aqui) ajudasse o leitor em sua vida prática, fazendo o papel daquela amiga queridíssima, meio escrachada, sem papas na língua, que sabe tudo de dinheiro, sobretudo o quão importante ele é para fazermos escolhas na vida. É uma voz bem-sucedida que motiva e estimula pelo exemplo, pela vontade que desperta de fazer igual, neste caso, com regras e dicas que funcionam para todo mundo.
“Outro ponto comum em títulos que têm despertado muito interesse atualmente é justamente a linguagem. São livros fáceis de ler, de entender e, na minha opinião, mexem um pouco com a nossa formação mais cristã, no sentido de que estimulam ideias como ‘você é capaz’, ‘você consegue’, ‘você pode’. Numa época em que coaching, liderança, autogestão são palavras muito em evidência, muito procuradas, há sempre dicas interessantes que funcionam na vida pessoal”, diz a livreira Cida Saldanha, que trabalha há mais de 30 anos no mercado de livros, 27 deles na Livraria da Vila.
Seguindo esse raciocínio, de quando as “ferramentas” dos negócios também são muito úteis para a dinâmica da vida, Rápido e devagar, de Daniel Kahneman (Objetiva), outro grande sucesso, é um ótimo exemplo. Vencedor do Nobel de Economia, Kahneman faz sua defesa explicando sobre duas formas de pensar: o pensamento rápido, intuitivo e emocional, e o mais lento, lógico e ponderado. Por si só, o entendimento dessa dinâmica, ele argumenta, pode ajudar em nossas decisões pessoais e profissionais.
O milagre da manhã, de Hal Elrod (BestSeller), O poder da ação, de Paulo Vieira (Gente), Mindset, de Carol S. Dweck (Objetiva), O poder do hábito, de Charles Duhigg (Objetiva), e Seja foda!, de Caio Carneiro (Buzz), são, cada um por um motivo, outros títulos superprocurados que reverberam sobre o espaço existente para uma “prosa” mais didática, personalíssima, com públicos bem específicos. Enquanto o jovem brasileiro Caio Carneiro (leia entrevista aqui) se joga na ideia de combater a mediocridade como uma alternativa poderosa para o sucesso, a professora de psicologia na Universidade Stanford Carol S.Dweck, que é e especialista em motivação, desenvolveu uma pesquisa e um método para provar que a atitude mental com que encaramos a vida, que ela chama de “mindset”, o título do livro, é crucial para conseguir sucesso. Por um caminho ou pelo outro, público ou privado – como uma conquista que pode ser “apenas” estar bem com você mesmo –, significa que o sucesso é, no fim das contas, um valor inspirador, desejado e bem-vindo para autores e leitores.
A crise e a autoajuda
“As pessoas procuram alguma esperança, um pouco mais de motivação”
Diretor de marketing do Grupo Editorial Record e professor de marketing editorial da Universidade do Livro da Unesp, o publicitário Bruno Zolotar lembra do ex-presidente da editora, o economista Sérgio Machado, que morreu em 2016 aos 68 anos, na citação de que quando há crise, autoajuda vende.
Na prática, livros como O milagre da manhã, de Hal Elrod, publicado pelo selo BestSeller, da Record, comprovam a observação. Organicamente, como diz Zolotar, até os títulos mais antigos do segmento – e que permanecem no catálogo da editora – costumam seguir a mesma linha ascendente de interesse dos leitores nas livrarias.
“Em momentos de crise, as pessoas procuram alguma esperança, um pouco mais de motivação, e conseguem comprar isso sem gastar muito, já que estes títulos ficam na faixa dos R$ 35, R$ 40, em média”, afirma Zolotar
No caso do livro de Elrod, ele propõe técnicas para que os leitores possam mudar de vida e resolver problemas adotando posturas mais saudáveis. Simplicando um pouco, a ideia principal é se levantar, sair um pouco mais cedo da cama, e colocar o desenvolvimento pessoal como prioridade e meta a cada dia.
Há uma combinação de linguagem e prática, como lembra Zolotar. Ele aposta que a intersecção de conceitos e livros de negócios com a autoajuda deve seguir em alta em 2019, ou seja, a ideia de buscar o desenvolvimento pessoal se mantém como propósito em evidência, como dinâmica dos tempos. A não ser, como diz Zolotar, que sejamos surpreendidos por algum grande fenômeno da ficção, objeto principal de interesse – e que toma tempo de potenciais leitores – em outras plataformas de entretenimento e produção cultural.