O céu é o limite

Livro conta a história do Bandeirante, a aeronave que possibilitou a criação da gigante Embraer

*Entrevista publicada na revista Vila Cultural 178 (Fevereiro/2019)

 

O jornalista Claudio Lucchesi/Foto Divulgação

O jornalista Claudio Lucchesi autografa dia 21 de fevereiro, na loja do Shopping JK Iguatemi, o livro O voo do impossível (Editora Rota Cultural), em que remonta a história do primeiro voo do Bandeirante, a aeronave criada no Brasil há 50 anos.Foi um projeto tão ousado e pioneiro que determinou também a criação da Embraer, que agora passa pelo processo de fusão com outra gigante, a americana Boeing. O subtítulo do livro de Lucchesi é exatamente A história do Bandeirante, o avião que gerou a Embraer.

Ao longo de mais de 300 páginas, Lucchesi mostra como o Bandeirante conecta a história do Brasil com o destino aeronáutico do país, desde as primeiras tentativas de Santos Dumont para a invenção do avião. O jornalista revela, por exemplo, como a aeronave permitiu, em um primeiro momento, a integração de um país de dimensões continentais, e depois como foi capaz de gerar uma empresa do porte da Embraer.

“Não foi uma indústria aero-náutica que produziu o Bandei-rante, mas uma aeronave gerou uma companhia hoje mundialmente conhecida e motivo de orgulho para muitos brasileiros”, argumenta Lucchesi.

Nos anos pós-guerra, quando países gigantescos como o Brasil, Estados Unidos, Canadá e Austrália precisavam de aeronaves seguras para lidar com um novo cenário, a urbanização acelerada havia criado a necessidade de ligação entre as cidades. O Bandeirante, fruto de muito trabalho coletivo e da obsessão do ex-ministro Ozires Silva, cofundador e ex-presidente da Embraer, foi o modelo que conquistaria o Brasil e depois o mundo.

O modelo produzido por aqui, lembra Lucchesi, tornou-se o primeiro avião brasileiro certificado fora do país. “O primeiro avião brasileiro operado por companhias aéreas estrangeiras, incluindo dezenas nos Estados Unidos e Europa. Também o primeiro avião brasileiro utilizado por Forças Armadas de outros países”, revela Lucchesi.

“Com o programa de produção em série, parcerias com grandes fabricantes de componentes aeronáuticos foram firmadas e muitas destas empresas vieram a se instalar no Brasil, com oficinas e fábricas. Muito antes da globalização da economia mundial, o Bandeirante inseriu o Brasil num dos mais seletos clubes tecnológicos globais da indústria aeronáutica”, diz o jornalista.

Vila Cultural. De onde vem sua paixão pela aviação e o seu interesse pelo Bandeirante?
Claudio Lucchesi. Eu e o Bandeirante somos conterrâneos do Vale do Paraíba. Ele nasceu em São José dos Campos em 22 de outubro de 1968, que é a data do primeiro voo, e eu, em Guaratinguetá, 14 dias depois. Cresci vendo os Bandeirantes da Força Aérea Brasileira lançando paraquedistas, voando sobre a minha cidade, onde fica a Escola de Especialistas de Aeronáutica. Me formei jornalista e juntei a paixão, o hobby e a profissão, me especializando em aviação e história militar. E acho que o Bandeirante ficou ali, só acompanhando isso. Até que eu ficasse maduro o suficiente para estar à sua altura. Enfim, em meados de 2017, um release me chamou a atenção para os 49 anos de seu primeiro voo. Em 2018, seriam 50 anos – e uma data dessas não passa em branco. Junto com isso, veio a constatação de que esta aeronave tão relevante nunca tivera a sua história narrada num livro. Não havia este registro escrito, dedicado ao Bandeirante. Um avião de importância muito maior e mais abrangente do que muitas aeronaves que já receberam dúzias de obras. O Bandeirante foi muito mais que um avião. Foi o melhor de sua categoria, em seu tempo. Foi um caso raríssimo (eu mesmo, não conheço outro) de um avião que gerou a empresa que o iria produzir. O Bandeirante criou a Embraer. De quantos aviões se pode dizer isso? Foi o primeiro avião brasileiro certificado fora do país, e intensamente utilizado no maior mercado de aviação comercial do mundo, os Estados Unidos. Fez sucesso no Reino Unido, na França, na Austrália. Voou do Texas a Papua Nova Guiné. E o Brasil então era o quê? Não tínhamos nenhuma tradição, para o mundo, de projetar e fabricar aviões. Mal tínhamos montadoras de carros. Então, essa é também uma incrível história de pessoas. De sonhos. De paixão.

VC. O que descobriu de mais surpreendente sobre o Bandeirante ao fazer o livro?
CL. À medida que fui entrevistando as pessoas, do personagem fantástico que é Ozires Silva a muitos veteranos da equipe, fui me apaixonando pela história. Fui conquistado pelos desafios, a paixão que moveu todos ali. Como houve um movimento mágico de juntar todas aquelas pessoas, aquela conspiração do destino. E como puderam acreditar em algo que, para qualquer um no Brasil, no início dos anos 1960, parecia ser impossível – projetar e fabricar um avião no país e vendê-lo para outras nações.

VC. Como avalia a relação do país com sua “história-memória” aeronáutica, inclusive com a figura de Santos Dumont?
CL. Aí entramos num campo triste, infelizmente. O Brasil não valoriza a sua história – é um chavão, mas é verdade. Veja o que aconteceu com o Museu Nacional. Uma catástrofe. Em qualquer outra nação, geraria uma investigação. Um processo. Haveria pessoas punidas. Porque foi um crime. E aqui? Nada. Então, o que esperar sobre a história da aviação? O Museu do Cabangu, a casa onde nasceu Santos Dumont, fechou. Seus funcionários estavam há meses sem receber. Crime. Sabia que São Paulo é a única (única!) cidade do mundo de suas dimensões e relevância econômica que não tem um museu de aviação? Paris, Moscou, Londres, Berlim, Buenos Aires, Santiago, Praga – todas têm. A questão é que a história ensina um povo a ter orgulho de si, de seu passado, de suas origens. Um museu tecnológico, como os de aviação, mostra ao povo do que ele é capaz de realizar, de seus heróis, muitos saídos de camadas humildes da sociedade, e transmite o valor do estudo, o valor de se investir em educação. Nosso povo merece isso. Por que não tem? Porque não há um interesse que nosso povo tenha amor-próprio, tenha orgulho de si e de seu país. Não há interesse que o povo entenda o que a educação pode fazer num país. Por isso tudo, aproveito para destacar o único museu nosso de aviação – o Museu Aeroespacial. Fica no Rio de Janeiro, e é mantido pela a Força Aérea. É um belíssimo museu, mantido por uma equipe heroica, numa luta diária. Tem aviões únicos no mundo, inclusive o protótipo nº 1 do Bandeirante.

LANÇAMENTO
Livro: O Voo do Impossível – A história do Bandeirante, o avião que gerou a Embraer (Editora Rota Cultural), de Claudio Lucchesi
Loja: Shopping JK Iguatemi
Quando: dia 21 de fevereiro, às 18h30