A vilã da turma

Thalita Rebouças conta a história de uma garota invejada nas redes sociais e infeliz na vida real

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 185 (Setembro/2019)

A escritora Thalita Rebouças autografa seu novo livro na loja da Lorena dia 14 de setembro. /Foto Divulgação

A escritora Thalita Rebouças faz sessão de autógrafos dia 14 de setembro, sábado, a partir das 15h, na loja da Lorena, para o lançamento de Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz (Arqueiro). Trata-se do terceiro livro de uma série que já tem outros dois títulos, Confissões de uma garota excluída, mal-amada e (um pouco) dramática e Confissões de um garoto tímido, nerd e (ligeiramente) apaixonado. A protagonista agora é Valentina, a “vilã” da turma de Tetê e Davi. Ela é a garota mais invejada da escola, mas isso só por quem a vê de fora e acompanha de longe sua vida “instagramável” e cheia de glamour. De perto e por dentro, como diz Valentina, não é fácil ser ela, sobretudo por causa das tensões e conflitos familiares que vive. Exatamente como a maioria dos adolescentes, público que Thalita entende como poucos.

Jornalista de formação, ela abandonou as redações duas décadas atrás para apostar no sonho de ser escritora. Deu tão certo que, desde o primeiro livro, publicado quando tinha 25 anos, Thalita não parou mais de contar histórias. A escritora já publicou 22 títulos, que venderam mais de dois milhões de exemplares e foram traduzidos para mais de 20 idiomas. Com várias de suas obras adaptadas para o cinema e para o teatro, Thalita agora também atua como roteirista e prepara-se para o lançamento, no mês que vem, do filme Ela disse, ele disse, cujo roteiro assina junto com Tati Ingrid Adão. Com direção de Claudia Castro, o filme tem, entre outros nomes, os da atriz Maisa Silva e da apresentadora Fernanda Gentil, que é amiga de Thalita e aparece pela primeira vez atuando. Adaptado da obra da escritora, o filme também marca a estreia de Thalita como letrista, algo, ela diz, que sempre quis fazer. Ela assina canções da trilha sonora do filme. Na TV, a escritora é apresentadora e repórter do programa The Voice Kids, na Globo. Leia a entrevista que Thalita concedeu à Vila Cultural.

Vila Cultural. Poderia falar sobre o novo livro?
Thalita Rebouças. Valentina é a vilã da série que se dá com os dois primeiros livros. Neste, eu resolvi explicar porque ela tem um comportamento tão agressivo, tão esnobe. Decidi entrar na alma da vilã e propor o desafio de explicar quem ela é e por que ela é assim. E tentar explicar que, ainda que algumas pessoas façam coisas ruins, isso não quer dizer que elas sejam pessoas ruins. Foi um desafio que eu me propus, porque chega um momento na carreira em que você tem que se
propor desafios.

VC. A propósito, qual a sua grande motivação para escrever?
TR. Eu não sei o que seria a minha vida sem criar. Tenho até pânico de pensar nisso. Vivo motivada pela criação e acho muito mágico o momento em que nasce uma ideia. Eu acho um privilégio ter essa experiência. Porque é um dom que nasceu comigo e é o que realmente me motiva: a vontade de contar histórias, de fazer companhia para adolescentes, além de todo o carinho que tenho recebido ao longo dos anos. Significa que não faltam motivos para que eu me mantenha estimulada a trabalhar.

VC. O que mudou nos jovens desde que você começou a escrever para eles?
TR. O adolescente, na verdade, não mudou. O que mudou, com a passagem do tempo, foi a tecnologia, com o mundo literalmente na palma da mão. E mudaram alguns nomes também. Amor platônico, por exemplo, agora é crush. Mas as angústias, as tensões, as dúvidas, as espinhas, tudo continua igual. Então, pode entrar ano e sair ano que o adolescente vai ser sempre do jeito que é. E eu falo com a alma deles.

VC. Você tem a alma adolescente?
TR. Eu tenho uma alma espevitada – e um pouco adolescente também. Talvez seja por isso que eu consiga me colocar no lugar deles. Ter uma alma adolescente não significa que eu seja imatura. Não se pode ligar a adolescência nem à imaturidade nem à “aborrescência”, que é algo que me irrita muito também. Porque eu acho que adolescentes são sinceros, não gastam sorriso à toa. São leves. Quando eu digo que tenho uma alma adolescente, isso tem mais a ver com a leveza do que qualquer outra coisa.

VC. E o que é uma alma espevitada?
TR. Eu sou alegre. Tem gente que até se angustia com tanta alegria. Me perguntam se eu já acordo assim. Não, eu não acordo assim. Não sou uma pessoa feliz de manhã, mas no resto dia eu sou uma pessoa muito feliz. Sou uma pessoa muito empolgada, sei que tenho muita sorte na vida e o privilégio de fazer o que eu amo, o privilégio de escrever e ser lida. Isso tudo me fez ficar uma pessoa espevitada, sempre alegre, pulando, quicando com novas ideias, novos projetos. E isso me deixa meio espevitadamente adolescente.

VC. Sempre foi assim?
TR. Sempre. Tanto que eu fico muito feliz quando as pessoas perguntam para os meus amigos se eu sou assim mesmo. Quem me conhece sabe que eu sou assim.

VC. Como lida com a responsabilidade de falar com o seu público?
TR. É muito doido, porque quando eu comecei não tinha ideia de que ia ser tão lida. Hoje eu sei exatamente quem me lê e eu gosto de ter essa responsabilidade, que não é um peso. Ao contrário. Outra coisa que me motiva muito é fazer o adolescente pensar. As mensagens que eu recebo são estimulantes. Fico feliz quando alguém diz que mudou de opinião por causa de um livro meu. E recebo muitas mensagens que dizem coisas assim: “eu era homofóbico e só descobri isso lendo o seu livro e fiquei com vergonha de mim” ou “eu era preconceituoso e só entendo isso agora.” Recebo tantos retornos que indicam que a leitura dos meus livros moveu para um outro lado que essa responsabilidade nunca pesa. Ela vem com a alegria de saber que eu sou uma voz que eles ouvem. E eu sei que não é fácil ser ouvido por adolescente, ainda mais neste mundo cheio de influenciadores, blogueiros etc. É muito bacana saber que um livro pode fazer uma pessoa ser melhor.

VC. Esse privilégio/responsabilidade traz limites ao trabalho criativo, de não poder dizer isso ou aquilo, por exemplo?
TR. Nos livros, não. Mas há algumas ideias que eu prefiro guardar, inclusive porque os personagens estão envelhecendo. O Zeca já está com 18 anos. A Valentina tem 17, vai fazer 18 ano que vem. Então, o que não cabe agora passa a ser ideia para outros livros. Talvez mais tarde, quando eu tiver 50, 55, eu escreva sobre coisas que prefiro não escrever agora porque há, sim, temas que opto por não tratar.

VC. Como é o seu trabalho na TV?
TR. Por ser exibida e espevitada, eu sempre gostei muito de televisão e o Boninho [diretor da TV Globo] sempre foi um “parceiraço” meu. A gente se conheceu quando eu fui dar uma entrevista para a Ana Maria Braga e, depois disso, ele perguntou como é que eu não fazia televisão ainda. E eu respondi: “também não sei”. Aí eu tive um quadro no Vídeo Show durante um ano e quando veio a segunda temporada do The Voice Kids eu mandei um e-mail para o Boninho me convidando para trabalhar no programa. Ele supertopou e é um programa que eu amo ver e que eu amo fazer. É um programa inspirador. Eu não penso em escrever especificamente sobre isso agora, mas, para mim, poder estar lá acompanhando aqueles sonhos, aquela maturidade toda – porque eles dão um banho de maturidade na gente –, aquela chuva de talento, é um privilégio, uma dessas coisas que a carreira me deu. Como eu sou cara de pau e exibida, eu amo fazer televisão. Não tenho vergonha, não sou tímida, gosto de fazer ao vivo. E consigo conciliar tudo.

VC. Como você lida com a idealização do público?
TR. Eu sou muito eu, seja nas minhas exibições no stories [do Instagram] ou nas minhas aparições na TV. Por eu ser uma pessoa pública, sempre recebo muito carinho quando alguém me reconhece e tento retribuir da melhor maneira. Tardes de autógrafos, por exemplo, para mim são quase uma festa de 15 anos, com toda a felicidade e ansiedade de uma debutante, porque eu sempre quero atender todo mundo da melhor maneira justamente para não frustrar essa idealização. Porque é muito ruim frustrar a expectativa de alguém, decepcionar alguém, ainda mais quando você trabalha com adolescentes e crianças. Por isso eu sou sempre muito eu. Quando a pessoa já tirou várias selfies e quer mais uma, eu brinco que já foram mais de 15. Eu sou assim.

VC. Que percepção tem do Brasil neste momento?
TR. Eu acho que estamos num momento bem ruim, né? Como carioca então, estou me sentindo muito mal representada, mal assistida. O Brasil realmente já viveu dias melhores, mas eu sou Poliana [personagem do livro Pollyanna, de Eleanor H. Porter, de 1913]. Eu sempre acredito que tudo vai melhorar. Eu acredito que vai dar certo. Que vai ter luz no fim do túnel. Mas o momento do Brasil não é nada inspirador, por isso eu me sinto tão sortuda de poder, ainda assim, nesses tempos tão sombrios, estar fazendo a minha arte, levar cultura para as pessoas, seja com livros, no cinema ou na televisão. Então, nesse momento em que a arte está tão cerceada eu me sinto privilegiada por conseguir continuar a fazer meu trabalho.

VC. A que atribui o seu sucesso?
TR. Essa pergunta é tão difícil. Mas talvez tenha a ver com o fato de eu não querer dar lição de moral nos meus leitores. Quero, óbvio, passar valores bacanas com o que eu escrevo. E sempre faço com que o adolescente pense mais. Por isso, o adolescente não me vê como uma tia ou uma avó, uma mãe falando que ele deve fazer isso ou aquilo. Eu dou as ferramentas para que ele tire suas próprias conclusões sobre tantas coisas que abordo nos meus livros. Então, se há alguma coisa para explicar isso, é o fato de tratá-los com respeito, entendendo que não são crianças, e dar o aval para eles pensarem.

VC. Qual a expectativa com estreia de Ele disse, ela disse?
TR. O cinema é outra vertente, outro desafio que eu me propus depois dos 40 anos – e vou fazer 45 este ano. Estou investindo em roteiros, me permitindo criar histórias para o audiovisual, que para mim é uma grande novidade. Fechei um projeto com a Netflix e estão vindo outros por aí. Estou muito feliz porque é muito diferente da carreira de escritor, que é tão solitária. No cinema, é todo mundo metendo o bedelho naquilo que você está escrevendo. E é uma vivência de equipe que o escritor não tem. E estou me sentindo cada vez mais à vontade e segura nesse ambiente cinematográfico e gostando cada vez mais de fazer. E também muito orgulhosa do resultado desse filme, para o qual eu fiz duas músicas. É outra Thalita que eu descobri com o cinema. A Thalita compositora. É algo que eu sempre tive vontade de fazer, mas tinha um pouco de vergonha.

 

LANÇAMENTO
Livro: Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz (Arqueiro), de Thalita Rebouças
Loja: Lorena
Quando: dia 14 de setembro entre 15h e 18h