O mérito da evidência

Homenageado na Flip, Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, inspira novos livros e relançamentos

Euclides da Cunha. Ilustração Jonas Ribeiro Alves

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 184 (Agosto/2019)

Há exatos 110 anos a morte do autor de Os Sertões, o escritor Euclides da Cunha, alvejado por Dilermando de Assis em 15 de agosto de 1909, foi manchete dos principais jornais brasileiros e se transformou em episódio trágico da literatura do País. Do círculo de “amigos” de Euclides, Dilermando mantinha um romance com Ana Emília Solon Ribeiro, esposa do escritor, e acabou sendo absolvido do crime numa decisão que dividiu a sociedade da época. E rendeu também muitas versões controversas.

Nascido em 1866, Euclides da Cunha acaba de ser homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty e uma das melhores consequências dessa visibilidade previamente anunciada é a movimentação do mercado editorial em torno do autor e sua obra, agora em plena evidência. Publicado em 1902, Os Sertões, que volta ao catálogo da Penguin Companhia, tem origem no trabalho de cobertura jornalística da revolta de Canudos (1896-97), no interior da Bahia. Opunha o exército e o governo brasileiro ao movimento de cunho social, político e religioso liderado por Antônio Conselheiro. O conflito resultou no massacre dos seguidores de Conselheiro e em uma vergonhosa vitória do exército. Correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, Euclides da Cunha iniciou a tarefa de reportagem com convicções morais e políticas que foram desafiadas ao longo da experiência. E isso se refletiu na obra. Dividido em três partes (A terra, O homem e A luta), o livro explora a influência do meio sobre o homem na procura de uma identidade nacional.

Ao narrar a violenta e exaustiva repressão sofrida pelo bando de Conselheiro, Cunha narra também a formação do homem sertanejo. Ainda muito atual, Os Sertões denuncia os crimes cometidos por uma sociedade eurocêntrica, violenta, autoritária, desigual e excludente. “Os Sertões pode ser considerado um dos primeiros clássicos brasileiros de não ficção. Mistura jornalismo, geografia, filosofia, teorias sociais e científicas – muitas delas ultrapassadas – para falar de um país em transição”, afirmou Fernanda Diamant, curadora da Flip em 2019.

Entre os novos títulos disponibilizados a partir da obra de Cunha, há até uma versão de Os Sertões em quadrinhos, lançado pelo selo Quadrinhos na Cia, da Companhia das Letras. Os SertõesA luta, de Rodrigo Rosa e Carlos Ferreira, é apresentado como um “romance gráfico” livremente inspirado na obra do escritor. A ideia é que o leitor se sinta “no coração do confronto entre um movimento messiânico sertanejo e as Forças Armadas do país. Através da tensão dramática do roteiro de Carlos Ferreira e dos traços sombrios e torturados do desenho de Rodrigo Rosa, o principal episódio de Os Sertões ganha uma visão singular e poderosa”, diz o material de divulgação do livro.

Ensaios e inéditos, lançamento da Editora Unesp, com coordenação e organização de Leopoldo M. Bernucci e Felipe Pereira Rissato, reúne em 458 páginas parte significativa da obra de Euclides da Cunha, que começou a escrever precocemente, aos 17 anos. “A maioria dos seus ensaios, já bastante divulgados, ganhou fortuna crítica apreciável, porém outros até recentemente permaneceram esquecidos em arquivos e bibliotecas dentro e fora do Brasil por mais de um século. Finalmente, agora os leitores poderão acessar uma grande fatia dessa produção”, diz a apresentação do livro.

Euclides da CunhaEsboço biográfico (Companhia da Letras), outro relançamento, tem uma trajetória curiosa. Quando Roberto Ventura, um dos principais estudiosos da obra de Euclides da Cunha, estava a ponto de terminar sua pesquisa sobre o escritor, sofreu um acidente automobilístico que lhe abreviou a vida, em agosto de 2002. Sua esposa Marcia Zoladz e seu amigo Mario Cesar Carvalho localizaram no computador do autor o arquivo que armazenava os originais de um trabalho em andamento, nomeado Euclides da Cunha: Uma biografia. Os dois organizaram com o geólogo e historiador José Carlos Barreto de Santana um livro a partir do que encontraram: uma pesquisa ampla, inspirada e original sobre a vida de um dos mais importantes escritores brasileiros e cuja leitura tem tudo a ver com o momento.