“Nada, nem mesmo as expectativas baseadas em estudos sobre a região, me preparou para o que pude vivenciar” diz Mell Ferraz
*Matéria publicada na revista Vila Cultural Edição 182 (Junho/2019)
Eu já viajei a bordo de um barco (ou de um navio, uma escuna, um paquete, um submarino). Já realizei inúmeras viagens mundo afora e tenho certeza de que muitos passageiros do Navegar é Preciso também. Talvez uma das primeiras aventuras tenha sido quando topei acompanhar Odisseu em sua volta (conflituosa, duradoura, traiçoeira) para casa. Depois, acabei pegando gosto pela coisa, e fiquei fascinada ao conhecer a vivacidade da tirania de Wolf Larsen, as descobertas durante vinte mil milhas submarinas, a persistência em sonhar de um velho Santiago já esgotado… E o engraçado é que nada me preparou para aventuras mais reais – daquele tipo que muitos aconselham ter para se tornar a matéria da ficção. Nada, nem mesmo expectativas baseadas em semanas de estudos sobre a região, me preparou para o que pude vivenciar a bordo de um barco subindo o Rio Negro, no coração de algo nosso tão precioso.
Há preciosidades que muitas vezes acabamos esquecendo, não é mesmo? Pois bem. Entre os dias 29 de abril e 3 de maio, dois pensamentos me foram constantes: nossa pequenez e quão pouco conhecemos (falo como alguém que nasceu, cresceu e sempre viveu em selva de pedra – paulista, diga-se de passagem) aquilo que é nosso. Muito nos voltamos ao que vem de fora, ao que é de fora. E damos (consideravelmente) pouco valor àquilo que temos de deslumbrante. Porque a Amazônia é deslumbrante. Vamos combinar: o que conheci nos diversos (programação cheia, bonita e intensa) passeios proporcionados pelo Navegar não poderia ser contado sequer por Homero. E encarar essa autocrítica foi fundamental para entender que a viagem me proporcionou muito mais do que eu esperava.
Porém, é claro que há aquele toque todo especial e louco: conhecer, de perto, a palavra de pessoas que você tanto admira. Loucura, sim, porque Pedro Bandeira alimentou a minha imaginação de criança e adolescente por anos e anos, e jantar com ele e sua esposa tão querida, passear por (nossas) praias lindas em sua companhia 15 anos depois de sua presença marcante em minha vida de leitora… foi encarar o fato de que as palavras são poderosas demais.
Eu disse para o João (olha só o que o Navegar faz: como chamar Pedro de Pedro Bandeira, como chamar João de João Carrascoza? Uma proximidade antes impensável e nada natural!), e repito aqui: vivenciar o Navegar com ele, meu escritor preferido, que já me fez verter lágrimas (dentro de casa, longe do verde de mato, cobras e jacarés) com o caderno de um pai para sua filha, só pode ser um presente da vida.
Não exagero: o Navegar é Preciso é uma experiência linda. Trouxe muitos ensinamentos para mim, e me encantou não apenas com estas pessoas admiráveis, entre as quais incluo, obviamente, Mônica Salmaso, Martha Medeiros, Maria Rita Kehl e Maria Ribeiro – que prazer conhecê-los ainda mais, que prazer aprender mais com cada um, aprender até mesmo que é linda a emoção de escrever este texto em cima do prazo; Maria Ribeiro me entenderá bem, ela me ensinou a valorizar isso. Conheci pessoas lindas, entusiasmadas (com a vida, com a literatura), e volto de Manaus com amizades igualmente belas. Agradeço a oportunidade de viajar fora dos livros (agora sobre um rio, através do que é nosso e igualmente capaz de fascinar) e por conta deles.
* Apaixonada por literatura, Mell Ferraz publica, desde 2010, suas impressões de leitora no blog Literature-se, que também é um canal no Youtube. Ela participou pela primeira vez do Navegar é Preciso.