Todos os sons
O crítico e professor Lorenzo Mammì conversou com José Miguel Wisnik sobre o lançamento de A fugitiva, em que ele publica textos e reflexões que vão dos primórdios da música ao fim da era do disco
Publicado na Revista Vila Cultural 161 (setembro/2017)
Crítico de música e artes e professor de filosofia, Lorenzo Mammì participou de uma conversa com o músico e ensaísta José Miguel Wisnik no dia 4 de setembro, na loja da Fradique, para o lançamento de A fugitiva (Companhia das Letras). É um título essencial para quem gosta de textos e músicas – ou de textos sobre música – da melhor qualidade. Exatamente como apresenta a editora, o livro de Mammì é “uma viagem de um pensamento crítico poderoso e sutil que, se não abarca, abraça milênios de música num arco generoso de reflexão que vai dos primórdios da escrita musical ao fim da era do disco.”
“Comecei a me interessar por música muito antes de estudar arte ou filosofia. Na minha família havia um tio que, na linguagem não politicamente correta da época, era tido como ‘tonto’. Ainda que sua personalidade permanecesse num nível infantil, ele desenvolvera certas habilidades, como desenhar de cabeça mapas geográficos bastante detalhados e precisos. Mas, sobretudo, tio Sergio tocava piano. Almoçava todo dia na nossa casa, e minha avó comprou um piano de armário para que, depois das refeições, ele executasse clássicos de salão, como Fascination”, escreve Mammì na apresentação do livro.
O convite à leitura começa, na verdade, já na escolha do título do livro. “A música não se deixa capturar pelas palavras – é ela própria a eterna fugitiva”. Consciente dessa dificuldade, Mammì faz dela seu desafio e seu guia, com textos que testemunham quase três décadas de convivência ensaística com a produção sonora. O livro aborda diferentes épocas e gêneros: da canção brasileira à ópera, ao jazz e ao rock’n’roll, passando por Mozart, Rossini, Wagner, Debussy e Villa-Lobos, entre outros compositores. A ideia é “surpreender as manifestações e as configurações musicais ‘com a guarda baixa, a descoberto’”.
“(…) O gênero da canção praieira inexistia antes dele. Seus ‘sambas sacudidos’ criaram a tradição do samba baiano, como todas as obras-primas cunham seus precursores. Por fim, os sambas urbanos. No Rio, Caymmi introduziu o gosto da paisagem e do mar, e um tipo de flâneur diferente do malandro tradicional. Baianizou a cidade, e com isso gerou muito do que hoje julgamos ser tipicamente carioca. Sem ele, não haveria barquinho, cantinho e violão. Se essa parte de sua produção parece menos pessoal, é porque o Rio a incorporou por completo”, escreve Mammì, sempre inspirado, sobre a obra e o “personagem” Dorival Caymmi.