Olhar amoroso

Filho da cantora, João Marcello Bôscoli publica um retrato emocionante de Elis Regina em Elis e eu

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 187 (Novembro/2019)

João Marcello Bôscoli. Foto Rogério Alonso/Divulgação

Embora possa soar contraditório, quanto mais se tornava humana, real, diante de mim, a cada gesto ou palavra achava estar diante de uma pessoa completamente extraordinária, super-humana. E hoje sei o quão raro é ter uma cabeça tão elevada e um coração tão quente reunidos em alguém. Já li e assisti a centenas de entrevistas de artistas em minha vida; poucas estão no seu patamar. Pensar com emoção é o ápice”, escreve o produtor musical João Marcello Bôscoli em Elis e eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe (Planeta), que ele autografa dia 7 na loja da Lorena.

Primogênito da cantora, considerada por muitos a melhor intérprete brasileira de todos os tempos, João Marcello, fruto do relacionamento de Elis com Ronaldo Bôscoli, tinha a idade exata do subtítulo do livro quando Elis morreu, no dia 19 de janeiro de 1982. A partir daí, ele viu precocemente sua vida “desmoronar”, como descreve no livro.

Longe dos irmãos, Pedro Mariano e Maria Rita, que haviam partido com o pai, Cesar Camargo Mariano, e vendo as pessoas mais queridas e próximas se afastarem, João Marcello narra os sentimentos de dor, desilusão e ausência de rumo que sucederam a morte. “Fiquei meio à deriva, parecendo uma criança mais velha colocada para adoção; aquelas que quase ninguém quer”, ele escreve.

Com carinho e admiração, João Marcello reconstrói a Elis que ela foi aos seus olhos. Destaca, por exemplo, a sede por repertório que alimentava o espírito de cantora tanto quanto a casa da família e as questões cotidianas. Em tom afetivo, revela episódios cômicos, outros mais tocantes e compartilha não só suas lembranças da infância e detalhes de sua relação com Elis, mas também como sua vida se transformou após a perda.

Suas primeiras lembranças começam na separação entre sua mãe e Ronaldo Bôscoli, passam pela gravação do álbum Elis & Tom em Los Angeles e cobrem a vida calma na Serra da Cantareira, em São Paulo, na década de 1970. A convivência com Cesar Mariano, seu pai de criação, e a chegada de seus irmãos, no meio de uma infância marcada por travessuras, viagens, a censura imposta pela ditadura militar e a proximidade com o meio artístico são outras referências. João descobria aos poucos os limites entre a mãe e a artista. “’Por que todo mundo te conhece?’, eu indaguei. Não me lembro da resposta, mas, sim, de sentir satisfação e ciúme. A Mãe era minha, mas Elis Regina era do mundo”, ele escreve.

Foto Divulgação

No começo do livro, que tem prefácio assinado por Rita Lee e quarta capa com texto do jornalista e crítico Nelson Motta, João Marcello narra inclusive os detalhes dos dias que antecederam a morte de Elis. Conta que não tem memórias relacionadas a drogas em sua infância, pois elas não existiam naquele período, e revela que elas apareceram pouco antes da perda. “Era tudo demais pra mim. Tomar coragem e confrontar aquela supermulher exausta, olhar nos olhos dos parasitas ao seu redor, vê-la afundar em algo até então completamente ausente em nossa vida, testemunhar uma fraqueza sua. Ou fazê-la sofrer ao me ver confuso, surpreso e chocado”, ele escreve em outro trecho emocionante.

Elis e eu traz ainda um caderno de imagens com fotos pouco conhecidas, uma carta de Elis para João Marcello, que ela deixou para que ele lesse quando tivesse 40 anos, além de reproduções de páginas inéditas do diário da cantora, escrito pouco tempo antes dela morrer.

 

 

LANÇAMENTO
Livro: Elis e eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe (Planeta), de João Marcello Bôscoli
Loja: Lorena
Quando: dia 7 de novembro, quinta, das 18h30 às 21h30