Talentos notáveis

Em Afro-Brasil reluzente, o músico e escritor Nei Lopes perfila cem brasileiros admiráveis do século 20

 

*Matéria publicada na revista Vila Cultural edição 190 (Fevereiro/2020)

O compositor e escritor Nei Lopes./ Foto Jefferson Meganni/Divulgação

 

O escritor, músico e pesquisador Nei Lopes autografa Afro-Brasil reluzente: 100 personalidades notáveis do século XX (Nova Fronteira) dia 11 de fevereiro na loja da Fradique, onde participa de um bate-papo com o público. Ao longo de mais de 400 páginas, sempre combinando informação, reverência e afeto, Nei apresenta perfis de uma centena de personalidades afrodescendentes, cujos trabalhos, como demonstra o escritor, ajudaram a construir um Brasil mais forte e diverso. O propósito do livro é justamente fazer reluzir e dar visibilidade ao talento, destacando, em cada capítulo, o nome de cada um dos perfilados.

De áreas e atuações distintas, há desde personagens históricos até personalidades e profissionais que estão em plena atividade, como a cantora Elza Soares ou a jornalista e apresentadora de TV Maju Coutinho. Entre representantes da arte, do esporte, da ciência, da política, da religião e de outras áreas, nomes como os de Cartola, Conceição Evaristo, Elisa Lucinda, Gilberto Gil, Marielle Franco e Pelé são evidenciados numa lista em que há também personagens menos conhecidos, mas igualmente importantes, como Enedina Alves Marques, a primeira negra a se formar em engenharia no país, em 1945.

“Carismática, Marielle proferia com orgulho a frase de efeito: ‘Lugar de mulher é onde ela quiser’. Havia se mudado da Maré para a Tijuca, onde foi morar com sua companheira Mônica. A filha, Luyara, vivia com o casal. Dias antes de ser assassinada, Marielle denunciara nas redes sociais as suspeitas de que policiais do 41º Batalhão de Polícia Militar haviam cometido abuso de autoridade contra moradores do bairro de Acari, no subúrbio do Rio de Janeiro”, escreve Nei sobre Marielle Franco, lembrando da história recente do país, que fez da vereadora brutalmente assassinada no Rio de Janeiro – em um crime obscuro, ainda não elucidado – um símbolo internacional do feminismo e da luta contra a violência, o machismo, a opressão e as injustiças e mazelas tão característicos da nossa época, sobretudo em uma sociedade como a brasileira.

“A ideia é contribuir para que a população afro-brasileira desenvolva de forma plena sua consciência, no caminho do conhecimento e da compreensão de sua identidade étnico-racial”, afirma Nei Lopes. “E isso para que conheçamos adequadamente nossa realidade passada e presente, pois só assim reconquistaremos a identidade perdida por nossos ancestrais históricos na inenarrável travessia do Atlântico”.

Afro-Brasil reluzente também convida a mergulhar em histórias pessoais singulares e extraordinárias daqueles que, mesmo no ambiente adverso do racismo estrutural, conquistaram reconhecimento e hoje servem de inspiração a tantos outros cidadãos brasileiros. Sobre a escritora mineira Carolina Maria de Jesus, “uma crioula metida”, segundo seus vizinhos, Nei rememora, por exemplo, uma trajetória de sofrimento e fascínio sob o ponto de vista da leitura. “A revelação de Carolina como escritora ocorreu na década de 1950, a partir do momento em que, numa praça vizinha à favela, o jornalista Audálio Dantas a viu censurando pessoas que destruíam brinquedos lá instalados para as crianças. Exasperada, ela ameaçava denunciar os vândalos, fazendo-os personagens do ‘livro de memórias’ que escrevia nos inúmeros cadernos em que narrava o drama de sua indigência e o cotidiano do Canindé. O saudoso jornalista, homem de convicções socialistas e também afrodescendente, interessou-se pelos escritos e se empenhou em publicá-los”.

E Nei prossegue, no perfil de Carolina: “Em 1960, o livro surpreendeu o meio literário e conseguiu um sucesso inimaginável. Segundo a também escritora e afrodescendente Cidinha da Silva, há registros de que foram vendidos seiscentos exemplares na noite de autógrafos, dez mil exemplares na primeira semana e cem mil exemplares em um ano. Consoante a mesma autora, algumas análises creditaram esse alto volume de vendas a um trabalho midiático inédito envolvendo o livro. Para ela, entretanto, pesou também o contexto sociopolítico, de grande ebulição cultural, vivido pelo Brasil naquele momento, potencializado por uma certa curiosidade, às vezes mórbida, em se conhecer a vida de uma favelada”.

Afrodescendente nascido no subúrbio carioca em 1942, escritor e compositor de música popular, além de bacharel em direito e ciências sociais pela Universidade do Brasil (atual UFRJ), Nei Lopes começou a publicar nos anos de 1980 e desde então já lançou quase 40 títulos de diversos gêneros, entre romances, contos, ensaios, poesia e dicionários.

Em 2015, Nei foi superelogiado no teatro pela trilha sonora do musical Bilac vê estrelas, de Heloisa Seixas e Julia Romeu. No ano seguinte, ganhou, na categoria música, o 28º Prêmio Shell de Teatro, o Troféu Bibi Ferreira e o Prêmio da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro, além de ter conquistado o Prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo.

A propósito do olhar sobre os palcos, Afro-Brasil reluzente, o livro, obviamente não deixa de fora o comediante Grande Otelo, devidamente citado como um dos maiores atores brasileiros. “Seu nome civil, Sebastião Bernardes de Souza Prata, não remete a nenhuma linhagem familiar. Sua mãe chamava-se Maria Abadia de Souza e seu pai, Francisco Bernardo da Costa, trabalhando na Fazenda Lúcio Prata, era referido como o ‘Chico dos Prata’. Assim, garantido por uma lei da época, num registro de nascimento feito por autodeclaração diante de duas testemunhas, Sebastião escolheu o segundo nome em homenagem ao presidente Artur Bernardes, o ‘Souza’ de sua mãe e o ‘Prata’ da família para a qual seu pai trabalhava, segundo o livro Consciência negra, de Marília Trindade Barboza da Silva”, lembra Nei no seu propósito de preservar a memória e a obra de brasileiros sempre admiráveis.

 

LANÇAMENTO
Livro: Afro-Brasil reluzente: 100 personalidades notáveis do século XX (Nova Fronteira), de Nei Lopes
Loja: Fradique
Quando: dia 11 de fevereiro na loja às 19h.