Voz que ilumina

Em novo livro, Viviane Mosé ajuda a entender a vida contemporânea à luz de Nietzsche

Viviane Mosé diz que Nietzsche hoje – Sobre os desafios da vida contemporânea (Vozes/Usina Pensamento), que ela acaba de lançar, é o livro da sua vida. Faz todo o sentido. Há pelo menos duas décadas ela se dedica ao projeto. Não por acaso, o lançamento do título, que marca um novo momento editorial para a obra de Viviane, acontece simultaneamente ao relançamento, em nova edição, de Nietzsche e a grande política da linguagem, tese de doutorado publicada originalmente há 15 anos.
Fascinada pelo rigor da linguagem acadêmica, que domina como poucos, Viviane assume o quão difícil é, para ela, a tarefa de “simplificar”, no melhor sentido, o conteúdo do conhecimento que produz. E que, agora, nessa primeira metade do século 21, parece urgente, indispensável e fascinante para entender o mundo, para viver o Brasil. Intelectual brilhante, Viviane é uma voz que ilumina a realidade do país,
aqui e agora.
“Vivemos um momento muito difícil, muito tenso na nossa sociedade. Uma transição de mundos. De um mundo material, marcado por poderes verticalizados, com uma sociedade cuja ordenação era piramidal, em que um mandava e a maioria obedecia, para uma sociedade que se conecta de modo horizontal, em que as pessoas se encontram virtualmente e trocam informação com liberdade. Essa nova sociedade em rede coloca em questão antigos poderes e isso gera conflito, essa polaridade que estamos vivendo. Essa polaridade é muito marcada hoje, de um lado, pelos donos daquela antiga ordem que veem tudo isso esfacelar diante das suas mãos; e, de outro, por uma sociedade marcada pela inovação, pela juventude, que arrasta o mundo adiante com vigor e certa violência. No meio disso tudo, o tecido social fica esgarçado. Nós estamos com um pé no passado e outro pé no futuro e não estamos conseguindo ler o nosso presente. E isso é muito nefasto”, diz Viviane num áudio memorável, de 4 minutos, que ela publicou nas redes sociais e viralizou no período entre o primeiro e o segundo do turno das recentes
eleições brasileiras.
“No meio dessa transição, há um desespero, a falta direção. E eu gostaria muito de ajudar nessa discussão. Por isso, escrevi o livro neste momento tão oportuno. Todo mundo pode entendê-lo”, diz a escritora em entrevista exclusiva à Vila Cultural. Tudo o que agora parece “banal” ou corriqueiro no noticiário – as fakes news, a guerra da informação, as distorções de conceitos manipulados em discussões sobre gênero, os caminhos da educação – é objeto de interesse, pesquisa e estudo de Viviane Mosé desde o século passado. Com uma fala cativante, que ela exercita na paixão pelo rádio – em que ficou conhecida por participações frequentes na CBN, por exemplo –, Viviane tem milhares de seguidores e admiradores que reconhecem nela uma lucidez rara nos dias atuais. “Acho que rádio é a mídia mais fácil e mais imediata. Adoro. Você pode ouvir enquanto está caminhando, malhando, dirigindo. Tenho certeza que é uma mídia que não vai desaparecer. Quanto mais tecnologia, mais rádio”, ela diz para contornar o elogio sobre seu talento e a sua articulação com as palavras.
Poetisa, psicóloga, psicanalista, mestra e doutora em Filosofia, especialista em elaboração e implementação de políticas públicas, Viviane comanda, junto com sua sócia, a economista Eduarda La Rocque, a Usina Pensamento, empresa que criaram para “interpretar e propor o presente”. O propósito é “produzir e disseminar conteúdo, tecnologia e inovação social, tendo em vista uma sociedade mais ética, menos desigual e mais justa, especialmente no uso sustentável dos recursos humanos, naturais e econômicos”. Gestão de sociedades e gestão de cidades estão entre as expertises da Usina.
Além de títulos dedicados à poesia como Toda palavra e Desato, Viviane, palestrante das mais requisitadas no Brasil, é autora de outros nove livros. Em A escola e os desafios contemporâneos, que foi indicado ao Jabuti, analisa a situação atual e sugere novos rumos para a educação na sociedade do conhecimento.
O homem que sabe focaliza reflexões sobre a modernidade. Em Política – Nós também sabemos fazer, lançado este ano, a escritora e pensadora aparece como co-autora ao lado de Clóvis de Barros Filho, Oswaldo Giacoia e Eduarda La Rocque. O interesse pela obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), que Viviane lê e interpreta com habilidade insuspeita, é traço incontornável de seu trabalho. Leia a entrevista que Viviane Mosé concedeu à
Vila Cultural.

Vila Cultural. Qual sua percepção do país neste momento?
Viviane Mosé. Eu analiso as coisas no Brasil hoje a partir da mesma leitura que faço neste novo livro, Nietzsche hoje – Sobre os desafios da vida contemporânea. Leio a realidade a partir do fenômeno da “guerra da informação”, que estudo há mais de 15 anos. Nessa guerra, quem domina a informação ganha. Quem domina no sentido do controle, da utilização, inclusive de fake news. É um novo espaço de poder. E onde há poder há conflito, que nem sempre é ético. Muito pelo contrário. Então, é uma guerra dominada pela manipulação da informação e isso não é recente. Já acontece há muitos anos, mas não sabíamos que íamos caminhar dessa maneira, guiados por notícias falsas, o que fica cada vez mais claro. A ascensão de Bolsonaro nos últimos dias do primeiro turno das Eleições gerais no Brasil, por exemplo, eu leio como um efeito viral das redes na internet. Da mesma maneira que, em 2013, nós colocamos um milhão de pessoas na rua de um dia para o outro. E as pessoas acreditavam que faziam política. Depois foi todo mundo embora. Do mesmo jeito, vivemos um momento de ódio à arte por causa de movimentos antipedofilia, que foi um episódio muito estranho, muito forte. Durou um, dois meses, e parecia que ia permanecer para sempre. Hoje ninguém discute mais o tema. Se você colocar um quadro com essa temática, passa batido. Nós vivemos ondas e coincidiu que essa onda Bolsonaro aconteceu um pouquinho antes do resultado do primeiro turno.

VC. Como lidar com a guerra de informação?
VM. Dependendo da informação, de como ela chega, de informações diferentes, manipuladas ou não, o jogo muda como o vento, de uma hora para outra. Isso muito em função das novas mídias. Ou seja: é um quadro de grande instabilidade, tanto de um lado como do outro. O quadro que se configura no Brasil hoje não significa que o país seja de direita e queira a direita. O que aconteceu é que houve um debate na rede social em que a direita ganhou. Isso é muito pior até do que dizer que somos ‘mais à direita’. Nós somos levados por ventos de informações que nos atingem afetivamente e emocionalmente. Dependendo de quem dominar o jogo, ele muda radicalmente para qualquer lado, a qualquer momento.

VC. O que pode ser feito?
VM. Estou animada para contribuir com o debate, principalmente chamando a atenção das pessoas para o que elas pensam do Brasil e do que é a notícia manipulada. Por isso, a básica conferência das fontes é tão importante para saber se o que você acredita não é uma notícia manipulada. Como aconteceu nos Estados Unidos e na Inglaterra. Então essa é a questão mais contemporânea, é o tema que estudo há anos.

VC. Como surgiu o projeto do livro?
VM. O livro é basicamente impulsionado pelos desafios do contemporâneo. O objetivo é usar o diagnóstico de Nietzsche para ler o contemporâneo. Não é uma leitura do Brasil. É uma leitura do nosso tempo. O livro foi motivado por várias questões, mas fundamentalmente pelo alto índice de suicídios de crianças e de jovens no Brasil, que cresceu 40% segundo o Mapa da Violência de 2017. Em função desse crescimento, eu faço uma análise do que chamo de “crise civilizatória”. E o que nós vivemos agora é uma mudança radical e séria, que envolve a estrutura do humano, o psiquismo, o fundamento da ideia de verdade porque vivemos a época da pós-verdade. Observo de que modo Nietzsche viu a crise da verdade no século 19. O que é verdade? O que é que está caindo neste momento? O que acontece é que estamos vivendo uma expansão de modelo, não uma retração. O movimento da direita, por exemplo, é exatamente uma reação à expansão do modelo. Os humanos expandiram. E há uma reação no mundo inteiro contra essa expansão. O que está acontecendo é muito mais positivo do que negativo. O negativo é a reação. Mas a ação no mundo hoje é de expansão. As mulheres, a questão do gênero, as novas famílias, isso é tudo muito inevitável e não tem mais retorno. A sociedade em rede, os modelos de gestão mais abertos. Isso também não
tem mais volta.

VC. Do ponto de vista da linguagem, como compartilhar ideias tão importantes e complexas?
VM. O livro tem uma linguagem muito simples e isso me deu muito trabalho. Na verdade, estive escrevendo este livro há vinte anos porque a grande dificuldade é que tenho muita intimidade com o texto acadêmico. Escrevo para academia com facilidade porque gosto de uma linguagem mais rigorosa, como é a minha tese de doutorado, Nietzsche e a grande política da linguagem, que também está sendo relançada agora. Quando ela foi publicada pela primeira vez, há 15 anos, eu já dizia o que eu digo hoje, só que numa linguagem acadêmica. A maior dificuldade de Nietzsche hoje foi justamente facilitar o discurso. Por isso é tão gostoso de ler. Para mim, é o livro da minha vida. Vou rodar o Brasil para falar dele. Nunca divulguei um livro, mas com esse estou muito feliz porque acho que vai ajudar muito no debate. Estamos falando dos verdadeiros perigos que corremos: a manipulação de robôs, de dados, a manipulação de afetos pela internet.

VC. Qual é a origem da nossa tragédia?
VM. A origem da nossa tragédia atual é o que Nietzsche aponta já no final século 19. O humano construiu um modelo de raciocínio, um modelo de ordenação, um modelo de gestão, que está muito vinculado ao modelo de raciocínio, fundado na polaridade. A linha de raciocínio opõe o bem e o mal, afasta o corpo dos afetos. É isso que arrebentou porque o corpo e os afetos falam a mesma língua. A gente viu uma eleição que foi movida pelo ódio. Independentemente da eleição, o que está arrebentando no mundo é a estrutura da lógica racional. É a razão, a racionalidade que está em crise. Só que não existe, como oposto à racionalidade, a irracionalidade. Existem modelos de raciocínio e de gestão em que você pode considerar as diferenças, fazer a articulação de muitas pontas, muitas partes, dando harmonia sem que exista um que controle. É a queda do um na ponta, a queda do modelo piramidal para estruturação de um novo modelo de ordenação, que é horizontalizado e em rede. Foi isso que arrebentou em todo mundo. Se tudo isso cai, tudo o que foi estruturado socialmente, baseado numa lógica linear, que é a lógica da ciência, da universidade, do raciocínio considerado científico, também essa ideia de verdade cai sobre a nossa cabeça. E a gente vai ter que reconstruir essa ordem a partir de muitas verdades, de muitas perspectivas, porque não há uma única verdade. A grande manipulação é justamente acreditar que há uma única verdade. É isso que caiu. Isso quebra o humano.

VC. O que fazer então?
VM. Precisamos reconstruir o humano. A questão do gênero, por exemplo, é o melhor exemplo da queda dessa polaridade. Nós nunca mais seremos a oposição entre homem e mulher. Até o movimento feminista tende a desaparecer porque nós teremos, ou melhor, já temos outros gêneros entre o masculino e o feminino. Isso não é produto da escola e da “ideologia de gênero”, como pensa o Bolsonaro. Não há “ideologia de gênero”. Há, de fato, crianças que hoje nascem não na polaridade, mas no meio. Isso é um fato que leva, inclusive, ao alto índice de suicídio entre crianças porque elas são diferentes. E não é a escola que faz isso. Isso é do humano. Por isso, o ódio de Jair Bolsonaro e de muitos de seus eleitores é o ódio ao corpo, não é o ódio ao PT. O que incomoda é a homossexualidade, a transexualidade, o feminino, o desejo, a alegria, o corpo. É isso que as pessoas não estão suportando porque caiu a polaridade. ‘Mas por que estamos tão polarizados?’, alguém pode perguntar. É exatamente o último respiro dessa polarização que se dá no mundo inteiro agora, não só no Brasil.

VC. Como lidar com essa reconstrução?
VM. Há muitos movimentos importantes acontecendo agora. Há uma nova juventude que, de baixo para cima, arrebenta esses modelos. Por exemplo, a grande manipulação política hoje é uma manipulação de notícias falsas. Como eu costumo contar, tenho amigos pós-doutores que compartilham notícias absurdamente, visivelmente falsas. Por isso eu só posso dizer que eles não leram aquilo. Quem leu foi o afeto. Então já é o afeto que está determinando o discurso. Ou seja: antes a gente só pensava pela razão, agora estamos pensando só pela emoção. A tendência é que o nosso modelo se organize, se equilibre entre a razão e a emoção. O choque entre opostos não gera mais opostos. Esse choque vai gerar um outro movimento que vai ter que incorporar essas duas pontas. A esquerda tem que se rever também porque uma esquerda polarizada gera uma direita polarizada. Vamos ter que buscar discursos que estejam mais no centro, não no sentido político, mas no sentido do raciocínio. Nós vamos ter que valorizar as diferenças no discurso. E o bem e o mal não valorizam a diferença. Bonito/feio não é valorização da diferença, de diferentes graus entre uma coisa e outra. E esses graus estão surgindo.

VC. Como?
VM. Nós já estamos vivendo uma readaptação. Um outro exemplo: os pais que vivem na internet porque todo mundo vive na internet. Até ontem, para quem, como eu, trabalha muito com Educação, ouvíamos os pais e professores reclamando dos filhos e alunos por eles ficarem muito tempo na internet. Agora, eu ouço os filhos pedindo para os pais saírem da internet. Isso é muito bom, é excelente. As crianças estão exaustas de verem os pais na internet, observando de outra maneira. Esse desgaste das redes sociais vai acontecer nas próximas gerações porque hoje as crianças são vítimas dos pais que ficam muito tempo na rede social. É uma movimentação que já muda o quadro. Uma educação que leva ao pensamento, uma ideia que eu tenho defendido tanto, uma educação que não é de conteúdo mas é de raciocínio. Essa educação faz conferir as fontes. Conferindo as fontes, você diminui a manipulação da informação. E tudo isso vai se ordenando enquanto a sociedade vai se autorregulando. Só não podemos achar que não tem solução. Estamos sendo atingidos por um modelo mais amplo. É isso que está acontecendo. Não é para um modelo mais fechado. Temos que usar esse novo momento. É isso que estou me propondo a falar. Ouçam, sim, o coração, mas confiram o que vocês estão ouvindo.

VC. Como observa o fato de ainda elegermos o palhaço, o ator pornô e outros nomes improváveis nas eleições recentes?
VM. Eu não vejo isso com desespero. Observo esse tipo de resultado como desespero. É o desespero das pessoas e a falta de controle da sociedade diante da sexualidade, da homossexualidade, da transexualidade, que gera, nesses partidos de direita, esse tipo de reação. Não considerando o palhaço, que já é um fato mais antigo, e pensando que o Tiririca seja um fenômeno e que tenha seu valor, já que ele é um “nada”, no sentido da manipulação, não é o cara pior que existe. É só alguém que fica ali, batendo cabeça. O pior não é o Tiririca. O pior é o ator pornô moralista. O que eu vejo nesse resultado é a prova do meu diagnóstico. É exatamente porque a sociedade está se tornando mais livre, mais aberta, mais jovem, mais corajosa diante de suas questões. É exatamente porque temos uma juventude muito disposta a virar o jogo. Estou falando de uma geração que tem entre 15 e 18 anos ou até menos, que cada vez mais se coloca protestando a partir de questões de gênero. Esse movimento é tão forte que ele gera um desespero de determinados setores. É esse desespero moral que leva a essa polaridade que vivemos agora.

VC. Falemos de redes sociais.
VM. Um dos temas que estudo bastante é manipulação de dados feita pelo Facebook, o que explica o que se deu nas eleições americanas e no afastamento do Reino Unido da comunidade europeia. A manipulação se dá com acompanhamento, por robôs, das feridas das pessoas, de “onde” elas sofrem. Ou seja: primeiro há o incentivo ao sofrimento individual dessas pessoas e depois a proposta de solução. O que está sendo manipulado nas redes produz resultados. Não apenas eleitorais, mas especialmente para o consumo de produtos – algo que ainda não estamos vendo, mas que é gravíssimo. Essa manipulação acontece desestabilizando as pessoas, provocando instabilidade e ódio, o que é fato no mundo, não apenas no Brasil. Então, ao perceber esse jogo, quando eu vejo o desespero das pessoas que agridem, xingam e gritam na rede social, eu não vejo como ódio e não tenho ódio dessas pessoas que odeiam. Pelo contrário, eu entendo nesse desespero é que elas estão sendo manipuladas afetivamente, mas isso também passa. A manipulação não é eterna, essa onda passa.

VC. E como observa o Brasil nesse contexto?
VM. Eu confio no Brasil e nos brasileiros e confio no discernimento brasileiro de que a bala não é a melhor solução, de que a agressão ou a polarização não é a melhor solução. Eu acredito no debate sobre o Brasil, não sobre pessoas. Não olho com desespero. Olho com preocupação e vejo que há uma instabilidade emocional reinando no Brasil.

VC. Como usa seu conhecimento na cena política?
VM. Eu evito falar demais. Poderia, por exemplo, ter feito várias postagens durante as eleições, mas eu me coloco na instabilidade também. Às vezes fico de cama, desesperada, sem saber respirar, pensando para que lado isso vai. Por isso a minha posição tem sido de cautela, de tentar fazer um contraponto. O que acontece hoje no Brasil é muito tenso. Muito sutil e delicado. Como se um vento qualquer mudasse tudo a qualquer hora. Mas tento me colocar e acho que essa posição de cautela é que traz um público que eu reconheço na rede social ou nas palestras, por exemplo. As pessoas me atribuem credibilidade. Não fico batendo cabeça. Eu espero, me posiciono. E acho que não é momento de odiar, de ficar gritando, querendo matar. Esse comportamento é o desespero dos que se sentem acuados. O movimento agora tem que ser de aproximação.

VC. Por que costuma dizer que o humano exauriu?
VM. Não podemos desconsiderar os sentidos da inteligência e nem podemos esquecer que chegamos ao século 21 com uma destruição ambiental sem precedentes, com uma instabilidade climática grave. Foi o modelo científico que produziu isso. Não podemos negar que a Ciência esteve presente no mundo inteiro. Há algo mais científico do que a modernidade? Não. Quem reinou na modernidade foi a Ciência, que definiu os modelos de política, os modelos de gestão. No entanto, chegamos ao século 21 com a exaustão do planeta, de tudo que é físico, do humano, que está se matando. Os índices de suicídio, de depressão, de automutilação e de dependência de psicotrópicos, medicação psiquiátrica, são assustadores. Se você junta tudo isso, vai ver que temos uma sociedade medicada, deprimida e suicida, quando não é assassina ou terrorista. Então, o humano exauriu. Ele não acredita mais na sociedade. Nós salvamos uma criança no útero da mãe fazendo uma cirurgia de útero, mas esse bebê entra depois na lista dos suicidas. Tira a sua própria vida, ainda que a ciência tenha investido milhões para salvar a vida dele. Essa é a lógica. Então, a lógica científica desaparece diante da tecnologia. Um menino de 17 anos hoje estuda maneiras de usar tecnologia para curar o câncer sem passar pela causalidade da medicina, utilizando chips que identificam células cancerígenas. Se um garoto pode fazer isso para ajudar a curar o câncer, o que aconteceu com a lógica linear de pré-requisitos? Destruiu o planeta. A exaustão que vivemos hoje é do meio ambiente e é do ser humano. Isso, apesar de ser grave, leva necessariamente a um novo mundo. Ou ele implode ou ele expande. E com certeza vai expandir. Essa expansão do mundo está acontecendo por meio da troca de comunicação inédita entre as pessoas, a quebra das hierarquias pelo menos no que diz respeito à troca de conteúdo e informação, porque você não sabe quem está atrás de um login. Estamos à mercê dessa troca de conteúdo e informação, que é o que determina o mercado, o mundo, o consumo, a eleição. Quando entendermos isso, vai ser mais fácil monitorar a manipulação.

VC. O que mais pode ser feito?
VM. O que precisamos é formar pessoas capazes de identificar a manipulação da informação. E não é criando pessoas que decoram para passar no vestibular que você faz isso. A tendência é de uma Educação que ensine a pensar, de criação de centros de poder mais pulverizados e não de grandes concentrações de poder. Não que as pequenas concentrações não se reunirão para produzir grandes poderes – não estou dizendo que não haverá grandes poderes –, mas isso tudo será muito instável. Não tão estável quanto foi no passado. Lembra quando, antigamente, a pessoa tinha terras? Depois máquinas e equipamentos e muito dinheiro. Hoje, equipamento todo mundo pode ter. Agora o que vale é o talento. Quem tem talento está na frente, não é quem tem dinheiro. É o mundo que se transforma. Vamos olhá-lo como afirmação.